segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

2009: mais do mesmo. E 2010?

Por: Waldir Cardoso, médico e secretário de Comunicação da Federação Nacional dos Médicos (FENAM)

Fim de ano. Inevitável a idéia de realizar um balanço. Das empresas às pessoas, todos são tentados a fazer isso. Caí em tentação. Para mim, 2009 foi mais do mesmo. Pelo menos para a saúde.

Ora, estávamos com problemas de financiamento. Fechamos o ano com déficit e o orçamento de 2010 traz péssimas perspectivas. A Emenda Constitucional 29 não foi regulamentada, ou seja, os governos vão continuar elaborando prestações de contas embutindo gastos que não são com ações de saúde. Os governos, em 2009, mantiveram, via de regra, a postura de desviar recursos da saúde (olha o DEMsalão do Arruda). Não discutimos, seriamente, como e onde melhor gastar os parcos recursos da saúde. A alta complexidade continua a levar a maior fatia do bolo.

Em 2009 não conseguimos fazer com que a atenção básica (ou primária) seja priorizada. Parte porque a descentralização nos joga na mão de milhares de prefeitos e secretários municipais despreparados para o exercício da função pública. Parte porque a política de financiamento privilegia a alta complexidade. O Ministério da Saúde precisa mostrar serviço e se “dana” a financiar SAMUs e Unidades de Pronto Atendimento (UPAs). A descentralização da atenção à saúde começa a ser questionada.

A política de recursos humanos pouco avançou. Os trabalhadores de saúde continuam, em geral, sem carreira, sem remuneração digna e sem perspectiva de futuro. Os médicos, lentamente, vão abandonando o Sistema Único de Saúde. Temos dezenas de municípios sem a presença de um médico sequer; centenas com um só, e de forma não sustentável. Continuam a levar calote de prefeitos. Não conseguimos discutir com o Ministério da Saúde o Plano Modelo de Carreira Médica, elaborado sob a supervisão da Fundação Getúlio Vargas.

Fechamos o ano descobrindo que a saúde é a política pior avaliada no governo Lula. Que estava ruim, nós sabíamos; a surpresa é a população elegê-la como a pior. Deixou a segurança (ou insegurança) para trás. Mais uma prova de que quem entende de políticas públicas é o povo. Por isso, deve sempre ser ouvido e definir as prioridades.

Bem, 2010 é um ano eleitoral. Mais uma rodada de exercício da cidadania. Vamos às urnas! Isso só não basta. Temos de elaborar propostas e pressionar os candidatos, cobrar deles posturas de compromisso com atenção à saúde de qualidade, exigir mais gestão e menos privatização disfarçada, mais ação e menos reunião, mais probidade, mais espírito republicano, mais cidadania.

Faço juras de continuar na trincheira da luta. Que venha mais um ano! E mais outro e mais outro! Não esmorecer. Dialeticamente falando, viver é um diuturno lutar por uma sociedade mais justa, mais humana e mais fraterna, mais igualitária, com oportunidades para todos. Não estamos sós. Vamos celebrar este momento de balanço! Juntos, apesar de separados fisicamente, e desconhecidos, pessoalmente. Taças erguidas! Somos muitos, somos fortes, vamos vencer!

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Jaleco municipal

*Artigo do presidente do SIMERS e da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), Paulo de Argollo Mendes, publicado em 15/12/2009, na área de opinião do jornal Zero Hora.

Os responsáveis pelo sofrimento dos enfermos são, mais do que micro-organismos ou distúrbios celulares, as decisões macroeconômicas. Em especial, a insuficiente destinação de recursos. E a solução passa, necessariamente, pela inversão de prioridades. É uma falácia pretender que tenhamos uma saúde pobre porque somos um país pobre. Somos a 10ª economia do planeta. Recursos existem, e muito. O que falta é colocá-los onde deveriam estar, não em empréstimos para o FMI, cuecas, meias, submarinos nucleares ou caças supersônicos. Nada disso deve impedir que se salvem vidas e se mitigue o sofrimento.

Cientes disso, os médicos ultrapassaram as paredes do consultório e promoveram movimentos públicos contra a morte evitável. E, nesse esforço, foram convidadas autoridades e parlamentares a vestir jalecos, como sinal de sua adesão à luta. Presenciamos agora mais um desses movimentos, desta vez tendo a efetiva participação de prefeitos e secretários municipais de saúde. O que é da maior importância, porque precisamos de toda ajuda que se possa encontrar.

Lamentavelmente, o governo federal insiste em atrelar sua participação no custeio da assistência médica à aprovação de um novo imposto. Já tivemos a CPMF, e seu desvio vergonhoso. Não precisamos onerar ainda mais o cidadão, precisamos estabelecer prioridades. Este é um país grande demais para que a gestão da assistência à saúde seja federal, e os municípios são pobres demais para que seja municipal.

Os equívocos da municipalização retalharam o sistema “único” de saúde, criando aberrações de toda ordem. O debate sobre o papel dos Estados, esquecidos em tudo isso, precisa ser corajosa e urgentemente enfrentado. Os recursos que os prefeitos pleiteiam para a saúde são indispensáveis. Precisamos, pois, abandonar a presunção messiânica que presidiu a reforma sanitária da década de 80, que desprezou a opinião dos técnicos e os fatos concretos, criando um modelo teórico e ideológico, no qual continuam tentando enfiar a realidade.

A saúde necessita de toda ajuda que puder conquistar e de todos os parceiros que se possa reunir, mas com clareza de papéis e sem assuntos proibidos. E a proximidade das eleições ajuda a lembrar que os eleitores existem e têm, nesta área, muitas demandas.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Emergências médicas, um verdadeiro "pé diabético"

Fonte : Adolfo Paraíso, membro do Conselho Fiscal da FENAM e presidente do Sindicato dos Médicos do Maranhão

Quem trabalha em serviços de urgência e emergência deve se deparar com um número significativo de pacientes diabéticos e hipertensos, que ocupam os leitos, as macas, as cadeiras e o chão dos hospitais. Nenhuma novidade nisso, assim como a causa que se traduz na falha da atenção primária dos programas do hipertenso e diabético, reforçada pela ausência de unidades de saúde com o perfil adequado para dar continuidade a esse tipo de tratamento.

O problema é que, uma vez internado no local errado (pronto-socorro) e sendo tratado pelo profissional errado, o "pé diabético" não melhora e a consequência é o aumento do tempo de internação, elevação dos custos e, o pior, na maioria das vezes o desfecho é a amputação do membro por não se conseguir encaminhar o paciente para a revascularização, quando ele não chega a óbito.

Assim são as nossas emergências médicas: um verdadeiro "pé diabético". Não adianta aumentar o número de leitos ou macas, fazer triagem e implantar fluxograma de atendimentos. O problema é sistêmico e deve ser encarado dessa forma. A emergência médica é apenas a primeira unidade a entrar em pane.

Ou conscientizamos o gestor a adotar medidas pré e pós-hospitalares, no sentido de equalizar o problema, ou cada vez mais vidas que ficam sem acesso ao sistema terão de ser "amputadas" e, com isso, iremos conviver com a culpa de produzir sequelados em série.

A medida mais importante para reverter esse quadro caótico passa pela fixação do médico no local de trabalho. Mas para que isso aconteça, é preciso corrigir a miopia administrativa dos gestores, que insistem em não enxergar o Plano de Carreira, Cargos e Vencimentos - PCCV - da FENAM.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O Salário Mínimo Profissional dos médicos e as duas aposentadorias para dois cargos públicos

Por: Mario Antonio Ferrari

A Proposta de estender aos médicos e cirurgiões-dentistas aposentados os “benefícios” do projeto de lei do “Piso” que corrige o valor do salário mínimo desses profissionais pode ser justa, mas seguramente, não é perfeita.

Dificulta e pode até inviabilizar a aprovação da proposta, porque se desvia do objetivo inicial, ou seja, o de esclarecer e melhorar a remuneração dos médicos contratados pela iniciativa privada.

A inclusão dos aposentados é mais um obstáculo ao lado do já criado com a ampliação da jornada introduzida no projeto de lei.

Enquanto os demais trabalhadores lutam pela redução da jornada de trabalho, observamos quem defenda o aumento da duração mínima do trabalho dos médicos, legalmente já estabelecida.

A Lei 3.999 de 1961, em vigor desde a época do parlamentarismo, especifica que a duração mínima do trabalho dos médicos e cirurgiões dentistas é de duas horas e que a máxima é de quatro horas.

Essa flexibilidade positiva é benéfica e atende ao interesse público. Garante aos gestores públicos, especialmente os das cidades do interior, a contratação de médicos para uma jornada de duas horas mínimas e quatro máximas. E tudo dentro da lei.

Tal flexibilidade de jornada de trabalho, de duas a quatro, somada a não aplicação do salário mínimo profissional para as entidades públicas, efetivamente facilita as contratações, notadamente de especialistas.

Outro ponto controvertido é a substituição da forma de cálculo, do salário mínimo profissional vigente, por um salário mínimo nominal de R$ 7.000,00, também não aplicável aos serviços públicos e com indexador vetado desde a edição do plano real.

Atualmente, o salário mínimo dos médicos e cirurgiões dentistas corresponde a três mínimos nacionais mais um mínimo regional. Ou seja, quatro salários mínimos para a duração mínima de trabalho diária que, de acordo com a lei, corresponde a duas horas.

As estatísticas informam que o reajuste do salário mínimo nos anos do governo Lula ficou sempre acima da inflação medida pelo INPC. Se compararmos o mesmo período de 2003 a 2009, segundo o DIEESE, o salário mínimo aumentou 153,08% enquanto o INPC apresentou uma variação de 47,58% para o mesmo período.

O PL toca nesse ponto e pretende a substituição dos três mínimos mais um (quatro mínimos) para duas horas, pelo salário nominal (já desatualizado) e reajustado pelo INPC. Será que isso é bom? Essa possibilidade no médio e longo prazo é mais benéfica para os médicos?

Quanto aos que futuramente irão se aposentar a lei traz a possibilidade da contribuição previdenciária cumulativa para o sistema geral, do INSS. Não é temerário dizer que essa contribuição cumulativa foi novamente acolhida pela Constituição de 1988.

É nesse ponto que o legislador pode e deve avançar, esclarecendo que a regra contida no artigo 18 da Lei 3.999 encontra-se vigente em face da possibilidade de dois cargos públicos possíveis aos médicos e cirurgiões dentistas. É a forma de tornar eficaz o preceito constitucional e garantir no mínimo duas aposentadorias aos que desempenham dois cargos públicos.

Afinal, os juízes podem acumular dois cargos públicos, o específico de juiz e de professor em escola pública. Se professor em escola pública e em escola privada terá o direito à aposentadoria universitária estatutária, outra aposentadoria pelo INSS e a aposentadoria do cargo de juiz. Portanto, três possíveis aposentadorias.

Com os médicos é a mesma coisa. Respeitada a duração máxima de trabalho, norma de interesse público, é possível a acumulação de dois cargos públicos estatutários e mais um privado (autônomo ou não).

Essa previsão, da mesma forma que para os juízes, produz efeitos para a inatividade, ou seja, para a aposentadoria.

Assim devemos aprofundar o debate em torno do PL do salário mínimo profissional para esclarecer que o artigo 18 da Lei 3.999/1961 combinado com a CF de 1988, torna possível a contribuição cumulativa e, via de consequência, duas aposentadorias pelo INSS e uma pelo estatuto de servidores.

Esse é o caminho para o tratamento justo e perfeito que a sociedade deve aos médicos que, diuturnamente trabalham em favor dela.

* Mario Antonio Ferrari – Presidente do sindicato dos médicos no estado do Paraná (SIMEPAR).

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Médico não é escravo

Fonte: Gutemberg Fialho/Presidente SindMédico-DF

O grave problema da saúde pública no Brasil é a falta de interesse dos profissionais em atuar no interior. Programa do Governo Federal para a interiorização da Medicina não teve o êxito esperado. Além de uma remuneração atrativa o que o médico necessita é de estrutura para exercer uma medicina satisfatória.

No Congresso Nacional não faltam projetos que tentam obrigar o médico a trabalhar no interior do país. Dos seis projetos apresentados, apenas três são de médicos. Os outros são de empresários e até apresentador de TV. Agora, mais um leigo em medicina tenta fazer o mesmo. O bancário e atual secretário de saúde do DF, Augusto Carvalho promete deixar o cargo para voltar à Câmara dos Deputados com esse objetivo. Com certeza ele fará bem à saúde do Distrito Federal com seu retorno ao parlamento.

Como os demais projetos que tramitam na Câmara, o do deputado Augusto Carvalho quer obrigar os médicos egressos de universidades federais a prestar serviço no Sistema Único de Saúde por no mínimo dois anos. Seu desconhecimento na área começa aí. Os médicos já prestam serviço na saúde pública por no mínimo três anos, na residência médica, que no Distrito Federal está ameaçada de extinção por incompetência administrativa e falta de compromisso com a formação médica.

A visão de que educação pública é gratuita, é desconhecer que os impostos pagos pelo cidadão custeiam os serviços do Estado. E este serviço na área da saúde é cada vez pior, não por responsabilidade do médico, mas por falta de infra-estrutura mínima para um atendimento de qualidade. Os pacientes sabem disso. Na pesquisa “Usuários de Serviços Públicos de Saúde do DF”, realizada pelo Instituto Vox Populi, em maio deste ano, mostra que 70,8% dos entrevistados sabem que os médicos levam a culpa por problemas de atendimento que não são deles, enquanto que 61% dos entrevistados creditam ao Governo as péssimas condições de saúde do DF.

Mesmo com salários menores, os médicos brasileiros preferem ficar nos grandes centros onde estão localizadas as melhores clínicas, hospitais e laboratórios e centros de referência. Portanto, não é apenas o salário que importa. É preciso garantir condições de trabalho aliado à reciclagem profissional.

Obrigar os médicos a trabalhar no serviço público de saúde, além de inconstitucional, é um contra-senso. A falta de interesse dos profissionais em atuar no interior do país há muito vem sendo discutida com as entidades médicas nacionais que defendem a criação da Carreira Médica de Estado, a exemplo do que hoje ocorre com a magistratura, um com Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS) e a realização de concursos públicos, só assim os médicos estariam sujeitos a trabalhar em todo o País de acordo com a necessidade nacional, tendo garantidas pelo governo federal, a exemplo dos magistrados, salários dignos e condições de trabalho.

Em que pesem todas as dificuldades pelas quais passamos para exercer a medicina, os médicos brasileiros ainda são felizes com a profissão que escolheram. Queremos continuar prestando uma medicina de qualidade, também na rede pública. Se o médico é necessário no interior do país, como reconhece o Governo, que tenha um tratamento diferenciado. O que não dá é privatizar a saúde e socializar o médico, como quer o secretário Augusto Carvalho, e transformar o médico em escravo.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Ato médico: ação que desafia o conhecimento

A atuação do profissional médico caracteriza historicamente ação que desafia o conhecimento. É muito fácil perceber esse desafio em apanhado retrospectivo da história da medicina. Da observação empírica ao conhecimento científico institucionalizado da Medicina, esses desafios se estendem além do campo do conhecimento, para abranger cada vez mais também desafios no campo institucional e, por fim, nas sociedades democráticas contemporâneas, os desafios exigidos pelo Estado de Direito. Se um dia já se fez cirurgias sem anestésicos, sem técnicas de esterilização e assepsia, no mundo de hoje isso seria inconcebível, inaceitável e juridicamente passível de punição.

A memória da medicina está repleta de aprendizados que vão das associações mais estapafúrdias e sem qualquer embasamento teórico plausível como a auto-intoxicação e o clister salvador do cólon e da alma do paciente, à biotipologia e caráter de Kretschmer, entre outros. Da mesma forma, há todo um aprendizado teoricamente embasado e que contribuiu para o conhecimento científico da forma tal qual nos é apresentado hoje. Fato é que nas sociedades democráticas contemporâneas a atuação profissional do médico segue critérios universais resultantes por um lado do conhecimento científico acumulado e firmado pela comunidade científica, da qual participam não apenas médicos, mas profissionais empenhados com os diversos campos do saber; por outro lado, a atuação profissional do médico representa ao longo do processo de formação e diferenciação da sociedade até a existência do Estado constituído, ação tutelada do Estado na proteção da vida e da saúde enquanto bens jurídicos de grande valor para o ser humano. Cabe ainda aqui menção à experiência nazista e que nesse contexto reforça a necessidade de que seja estabelecido juridicamente a que profissionais a tutela de intervir na vida e na saúde humanas pode ser delegada pelo Estado e onde estão os limites dessa tutela.

Portanto, a elaboração de um texto legal definindo as atribuições do profissional médico precisa ser encarada por médicos e outros profissionais da saúde, como pela sociedade em geral, não como um domínio mesquinho de território, o que seria até infantil. Muito mais é preciso que se vislumbre o real significado do texto legal. E esse significado não pode ser tratado como mérito ou demérito apenas da sociedade brasileira, tampouco de médicos ou fisioterapeutas ou bioquímicos ou de qualquer outro profissional da saúde. O significado desse texto legal é uma conquista dos Estados de Direito de sociedades democráticas. O texto legal que estabelece atribuições do profissional médico no Brasil, inclusive aquelas atribuições que devem ser exclusivas do médico, precisa zelar pela coerência desse seu significado, e que se ressalte, está diretamente relacionado também à responsabilidade do Estado perante o paciente-cidadão. É nesse contexto que, por exemplo, em países como a Alemanha apenas o profissional médico está autorizado a aplicar injeção intravenosa, pois diante de uma eventual reação adversa indesejável e grave, também é ele, o médico, que está tecnicamente capacitado e autorizado para tentar reverter o quadro que venha a se instalar. Obviamente que o Brasil não tem capacidade operacional para se dar ao luxo do rigor de um Estado tão avançado em grau de consolidação institucional e econômica como é o caso da Alemanha. Porém, no Brasil, país em pleno processo de amadurecimento institucional e democrático, é preciso que se comece a vislumbrar os horizontes que despontam por trás de barcos encalhados. É desalentador ver que o foco do debate em torno do projeto de lei do ato médico tome descaminhos pautados pela ignorância do seu significado, querendo atribuir-lhe significado restrito à esfera de tratamentos específicos ou da competência técnica de um ou de outro profissional. Se assim o fosse, muitas vezes no Brasil padres poderiam fazer às vezes de juízes, ou técnicos de futebol assumir o lugar de jogadores, ou jogadores o lugar de técnicos de futebol. Mas esse foi o estado primitivo que abandonamos para dar lugar a uma vida institucionalizada com regras, normas e leis, onde cada sentença tem significado atrelado a vivências sociais e políticas que extrapolam vontades e vaidades individuais. Traduzindo: O fato de poder existir médicos que possam pensar em ter alguma vantagem de mercado decorrente da futura lei do ato médico, não é a motivação da necessidade da lei nem deveria ser o foco do debate. Se houver profissionais de saúde outros pensando em angariar, ganhar ou perder mercado em virtude da futura lei do ato médico, esse também não é o motivo da necessidade da futura lei do ato médico, nem tampouco é para ser preocupação central da discussão. Essas são meras controvérsias paralelas que acabam por anuviar aspectos importantes para a elaboração do texto final. Um dos grandes desafios para os textos jurídicos que se propõe atualmente a regulamentar o ato médico está na necessidade de uma análise criteriosa dos tipos de intervenções a que podem ser submetidos pessoas vivas e cadáveres mediante os desenvolvimentos científicos e tecnológicos das últimas décadas. Nesse sentido, todas as competências profissionais da sociedade brasileira, não apenas médicos e profissionais da saúde, podem unidos contribuir de forma muito mais positiva para a elaboração de texto tão essencial ao atual momento brasileiro.

O ato médico caracteriza-se principalmente pela natureza intervencionista, ou seja, há a "intenção de intervir", cientificamente justificada em um diagnóstico que embasa o "porquê intervir" e da mesma forma estabelece o "como intervir". Intervir do ponto de vista médico significa alterar de um estado inicial indesejável para um estado final previsivelmente almejado. E esse estado final almejado é estabelecido não pelo médico ou pelo paciente, mas pelo consenso científico. E toda a ação que se distanciar desses contornos necessitará de justificação adicional. Atente-se que aqui até mesmo a atitude passiva, ou seja, a não-intervenção, é pautada pelo mesmo raciocínio: a atitude programada. Esses são pressupostos que constituem a essência para a elaboração do texto legal que regulamenta não apenas o ato médico, mas também o exercício profissional do médico em seu amplo contexto. Assim, esses são pressupostos a ser considerados também aqui no Brasil para distinguir o que deve adotar o texto, a despeito de motivos privados que possam levar alguns médicos ou outros profissionais de saúde a um posicionamento pro ou contra a lei do ato médico. O texto jurídico só pode se fundamentar naquilo que vai conferir significado ao termo ato médico, por isso é estranho que se queira no Brasil questionar para além de tais pressupostos quais seriam as atribuições do profissional médico, inclusive as atribuições exclusivas do médico. O ato médico sempre será ação desafiando conhecimento!

Fonte : Leidimar Pereira Murr

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Manifesto da FENAM sobre militarização das UPA´s no Amazonas

É inegável que, mesmo após 20 anos de criação, o Sistema Único de Saúde ainda seja sacudido por projetos políticos diferentes. Muitas vezes diametralmente opostos. De um lado, seus idealizadores, discípulos e construtores, partícipes do movimento pelo SUS de qualidade e para todos. De outro, próceres de modelos que visam distorcer os princípios e diretrizes do Sistema, mesmo que estes estejam insculpidos na Carta Magna. Visam retomar o modelo privatista, fragmentado e iníquo que tínhamos até 1990. Os médicos brasileiros se perfilam ao lado dos que sonharam e sonham com a saúde como direito de todos.

O Sistema Único de Saúde, instrumento de inclusão e acesso de milhões de pessoas à atenção a saúde, está incompleto. A ausência de financiamento suficiente e estável, frágil ação intersetorial, gestão desqualificada e incompetente, inexistência de política de recursos humanos, são fatores que deixam a implementação do Sistema a mercê da sanha predadora de seus adversários.

As principais vítimas da inescrupulosa falta de atenção para com os trabalhadores de saúde são os médicos. Estão sendo expulsos do SUS pelos baixos salários, pelas péssimas condições de trabalho, pela falta de perspectiva de futuro, pela ausência de políticas que garantam atualização científica. O executivo brasileiro, ao invés de elaborar políticas que tornem atrativo para os médicos seu trabalho no setor público, elaboram, aqui e ali, propostas mirabolantes. É o caso do governo do Amazonas.

Contemplado com o financiamento para a construção de sete Unidades de Pronto Atendimento (UPA) no estado, o governo decidiu que seu efetivo de trabalhadores será militar. Abriu concurso para mais de 1.300 vagas de trabalhadores de saúde no Corpo de Bombeiros. Esses militares irão compor as equipes das sete Unidades de Pronto Atendimento que serão construídas no estado do Amazonas. Além disso, as UPA´s serão gerenciadas pela Secretaria de Segurança Pública. Em todo o processo, não houve a participação da Secretaria de Saúde e não foi ouvido o Conselho Estadual de Saúde.

A Federação Nacional dos Médicos - FENAM - entende que a medida é inconstitucional. A gestão da atenção à saúde não pode ter duplo comando. A comunidade tem de ter participação. A FENAM tomará as medidas jurídicas necessárias para restabelecer a ordem constitucional. Alertamos as autoridades sanitárias sérias e comprometidas com o Sistema Único de Saúde de qualidade para essa torpe manobra, que fere alguns pilares do sistema de saúde brasileiro.

Fonte: Imprensa FENAM

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Urgência esquecida

Fonte: Cristiano da Matta

Há um ano, os médicos do Hospital João XXIII iniciaram a campanha SOS: O HPS JOÃO XXIII PEDE SOCORRO. O objetivo da campanha é denunciar as graves condições de trabalho no maior hospital de urgência e emergência de Minas Gerais. Equipes incompletas, falhas no abastecimento de materiais e medicamentos, dificuldade de realização de exames complementares, falta de leitos para transferência de pacientes, médicos residentes cumprindo plantões em especialidades cruciais como se fossem especialistas, enfim, uma série de irregularidades fartamente discutidas com todas as autoridades do legislativo, executivo e ministério público. Inúmeras reuniões, várias propostas colocadas pelos médicos, mas, infelizmente, a insensibilidade dos gestores não apontou nenhuma solução consistente.

O sistema de atendimento a urgências e emergências no Brasil passa por grandes dificuldades. A atenção básica não consegue controlar os casos de doenças crônicas que, agudizadas, acorrem às urgências sobrecarregando um sistema já estrangulado. Faltam leitos para transferências dos pacientes, que permanecem internados por semanas nas salas de urgência que se transformam em CTIÂ’s improvisados. Tanto nas Unidades de Pronto Atendimento(UPAÂ’s) quanto nos hospitais o excesso de demanda, a precariedade da infra-estrutura e dos vínculos de trabalho e as equipes incompletas criam um circulo vicioso que leva os profissionais a abandonar os postos de trabalho em setor essencial para a sociedade.

O profissional que trabalha nesses setores de urgência deve ter qualificação especial e a experiência muitas vezes é crucial para o resultado alcançado. Infelizmente, o que vemos hoje são profissionais experientes e qualificados, capazes de transmitir conhecimento e proficiência, deixando de atuar nessa área, criando um fosso intransponível para quem começa na profissão e deseja atuar nas urgências. Hospitais como o João XXIII, que já foram referência em educação médica, perdem a capacidade de transmitir a experiência acumulada levando a um caminho sem volta em que os jovens profissionais perdem a referência dos mais velhos,ficando impedidos de transmitir conhecimento,desqualificando os serviços e comprometendo sua sustentabilidade. Se ao longo de um ano, as autoridades não foram capazes de apresentar solução adequada para os graves problemas do setor, é hora de a sociedade organizada exigir dos governantes compromisso com a vida, sem subterfúgios. Um governo que não investe em saúde o mínimo constitucional e constrói palácios, não pode alegar falta de recursos. Ou exigimos atitude dos governantes ou perderemos para sempre essa grande instituição que é o Hospital João XXII. Vale lembrar que por ser referência em traumas, é no João XXIII que serão atendidos os poderosos e seus familiares em casos de acidentes. Se não for pelo respeito à sociedade, as autoridades deveriam olhar para o João XXIII pelo menos para salvar a própria pele.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Que privatizem as secretarias da Saúde

Por: Cid Carvalhães*

A TERCEIRIZAÇÃO da saúde por meio das OSS (organizações sociais de saúde) é uma proposta antidemocrática e antissocial. Desde que foi implementada, tem demonstrado dificuldades em apresentar o controle do destino de verbas do dinheiro público para o privado.

Na realidade, tem acumulado dívidas orçamentárias grandiosas. Veja como exemplo o caso da Fundação Zerbini, com dívida de R$ 260 milhões, sem falar de Sanatorinhos (Carapicuíba e Itu), Hospital Francisco Morato, maternidade de Cotia, entre outros.
Os governos estadual e municipal alegam que o custo de internação nos hospitais administrados pelas OSS é baixo. Mas o problema é que nesses hospitais não são atendidos pacientes com doenças de alta complexidade.

Não há unidades de hemodiálise para tratamento de doentes renais crônicos, por exemplo. Quem precisa de internações prolongadas encontra as portas fechadas, e os atendimentos e internações são seletivos. Os politraumatizados também não são atendidos. Além disso, os hospitais não fazem transplante de órgãos nem oferecem medicação de alto custo.

Os pacientes com problemas complexos são enviados para outros hospitais ou prontos-socorros da rede pública sem a certeza da agilidade no atendimento.

A alegação de que as OSS não têm fins lucrativos é usada como desculpa para o pagamento de “polpudos” salários a seus diretores. Os cargos em comissão são preenchidos de acordo com os interesses circunstanciais dos gestores privados, levantando a hipótese de benefícios imediatistas de quem os promove.

Quem perde é a população, principalmente a mais carente. Em São Paulo, o assunto não chegou sequer a ser discutido no Conselho Municipal de Saúde. O Ministério Público já denunciou que é uma maneira de burlar, de uma só vez, o controle público, a lei de licitações, os limites para gastos com pessoal e a responsabilidade fiscal, ultrajando o SUS.

As OSS podem contratar serviços e funcionários e usar bens municipais sem recorrer a licitações ou concursos públicos, bastando apenas a assinatura de convênios. Tais métodos são contrários aos princípios consagrados da administração pública.

Fica claro que o convênio transfere para a iniciativa privada importante segmento do patrimônio público, sem nenhum controle do Tribunal de Contas. Funcionários capacitados e experientes, que dedicaram suas vidas ao serviço público, podem ser trocados como se trocam computadores.

A defesa intransigente das OSS pelo governo do Estado de São Paulo representa uma desculpa burocrática, uma confissão de completa inoperância do governo para justificar sua ineficiência gerencial. Querem um governo mínimo com alta carga tributária e transferência de recursos para atender a interesses mercantilistas da iniciativa privada. Isso é uma fuga da responsabilidade.

Houve inversão na maneira de interpretar a legislação, que diz que a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado. A Constituição diz que a iniciativa privada pode atuar como complementar aos serviços de saúde. Na prática, os defensores das OSS deixam o Estado como atividade complementar, invertendo a lógica da lei e prejudicando a população que depende da saúde estatal.

A lei das OSS se assemelha a outra experiência rechaçada pela população de São Paulo, ou seja, o PAS, do ex-prefeito Paulo Maluf. Trata-se, na verdade, de um PAS de casaca.

Portanto, desafio a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo e o governo do Estado a abrir as contas dos hospitais e unidades de saúde administradas por OSS para que a verdade seja levada ao conhecimento da opinião pública. Que venha a privatização. Mas por que eles não privatizam antes a própria Secretaria da Saúde e, também, as chefias dos Executivos?

*CID CARVALHAES médico e advogado, é presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo.

Publicado Edição de 26 de outubro do Jornal Folha de São Paulo

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Vida médica

Por: Clóvis A. Cavalcanti

Com a precarização do trabalho médico, exercemos nossa digna profissão em serviços sucateados, sem equipamentos e medicamentos.

Nós, médicos, não paramos para somar as horas de trabalho semanal em nossas diversas atividades. São vários subempregos e salários aviltantes, com enorme perda física e emocional.

A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) preconiza 44 horas de trabalho semanais e a tendência é a redução dessa carga horária, pelo aparecimento de novas tecnologias, valorização da qualidade de vida e pela necessidade do aumento do número de empregos.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) recomenda que, pelo desgaste de nossa atividade, não se ultrapasse às 30 horas de trabalho semanais.

Não temos férias, 13º salário, FGTS, nem outras garantias legais das demais atividades laborativas. No entanto, estamos muito longe desse ideal, com sacrifícios de longas horas de árduo trabalho para uma digna sobrevivência, com sustento familiar e honrando diversos compromissos.

A grande maioria dos médicos trabalha mais de 70 horas por semana, acumulando quatro ou mais subempregos, com seus péssimos vencimentos, na tentativa de uma vida melhor.

Existimos de fato, mas não de direito, pois nossa profissão ainda não foi regulamentada.

Há, intencionalmente, uma total desvalorização do profissional médico, assim como do seu salário em todos os níveis: municipal, estadual e federal.

Trabalha-se sem as mínimas condições, sem um salário condizente, mas precisamos ter cada vez mais competência técnica e científica.

Mas, apesar de todas as adversidades, não paramos, não desistimos de salvar vidas, e mesmo no convívio diuturno lutando contra enfermidades, sofrimentos e a morte, não esmorecemos.

Até quando seremos passivos com o que ocorre?

Até quando não lutaremos por emprego único, salário digno e carreira de estado?

Sacerdócio, sim, mas com total dignidade nas condições de trabalho e salariais.

Não podemos ceder mais!

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

A FENAM e o Conselho Nacional de Saúde

Por: Waldir Cardoso

A participação da comunidade é uma das diretrizes da organização do Sistema Único de Saúde. Está prevista no art. 198 da Constituição Federal. Por ocasião da regulamentação do capítulo da saúde em setembro de 1990 o então Presidente da República Fernando Collor vetou os artigos da Lei Federal 8.080/90 que dispunham sobre os Conselhos e Conferências de Saúde. A reação imediata do movimento pela reforma sanitária fez com que em dezembro do mesmo ano fosse aprovada a lei 8.142. Esta lei dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS. Dentre outras medidas, estabeleceu a realização periódica de Conferências de Saúde e o caráter permanente dos Conselhos de Saúde. O art. 77 das Disposições Finais e Transitórias de nossa Carta Magna insculpe os Conselhos de Saúde na Constituição Federal quando determina que os recursos do Fundo de Saúde devem ser acompanhados e fiscalizados por aquele órgão colegiado.

Apesar disso muitos negligenciam a importância dos Conselhos de Saúde. Uns alegam que a população desconhece a existência deles. Outros que são apenas frutos das idéias românticas e revolucionárias dos militantes da reforma sanitária. Outros mais denunciam o aparelhamento dos Conselhos pelo poder público para decretar sua falência. Muitos interrogam se há algum papel estratégico e histórico para os Conselhos de Saúde neste momento.

O que estes valorosos companheiros precisam compreender é que não há como queimar etapas históricas. Há 20 anos estes organismos eram apenas uma proposta. Hoje é realidade. É verdade que estão longe de ter o funcionamento sonhado por Sergio Arouca. Ocorre que, como demonstrei, são instrumentos poderosíssimos de Controle Social da saúde. Não os únicos, certamente. Mas imprescindíveis no estágio político atual.

A democracia é trabalhosa. Para grande parte de uma sociedade de cultura autoritária como a brasileira a democracia é mesmo penosa. Bebendo em Gramsci, penso que ainda temos muito caminho pela frente até conquistar a hegemonia no campo da saúde. Na guerra de posições cada passo adiante é uma vitória. Nesta luta, o movimento pela reforma sanitária, já demos muitos passos vitoriosos. Não podemos retroceder, esmorecer ou dar passos em falso.

Por tudo isso penso ser um grave erro político a FENAM não participar do processo que vai eleger as entidades que irão compor a próxima gestão do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Tenho convicção que teríamos votos suficientes para ocupar um dos assentos na representação dos trabalhadores de saúde. As demais entidades representativas dos trabalhadores de saúde tem responsabilidade e a dimensão da importância dos médicos no controle social da saúde.

Em política não há espaço vazio. Se esta decisão for mantida, o espaço da FENAM no Conselho Nacional de Saúde será ocupado. Os médicos de alguma forma estarão no CNS. Não com a mesma representatividade e legitimidade. Mas estarão.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Médico do setor público é um folgado

Assustou, né? O título foi só para chamar a sua atenção e fazer você ler esse artigo até o final...

O exercício profissional na área da saúde é desgastante. Na ponta do sistema está o médico, com sua dedicação, responsabilidade social e ética. Da prática médica cotidiana, advém os desgastes naturais, o estresse, o cansaço físico e psíquico. Comparando a prática médica do consultório particular com àquela exercida no setor público, percebo que no setor público o médico desgasta mais. Ora, mas se os doentes são os mesmos, os princípios que regem a prática médica são os mesmos, a carga horária do setor público é às vezes até menor, por que o setor público causa maior impacto negativo sobre a vida dos médicos?

Para tentar responder esta pergunta, convido o leitor a fazer uma breve reflexão.

Temos visto que o orçamento destinado ao financiamento do setor saúde é insuficiente. Ora, em qualquer lugar em que a receita é menor que a despesa, o papel de quem gerencia é equalizar estes indicadores chamados receita e despesa. Ou você aumenta a receita ou diminui despesa. Não tem outra fórmula. Qual destes indicadores é imutável? Resposta: a receita. O gestor tem seu orçamento votado por uma comissão que, após abatidos os desvios da corrupção, obtém-se a receita líquida para gastar com o setor. Esta receita não sofre incrementos ao longo do ano. Vota-se um orçamento e acabou, não há suplementos, pelo menos é o que dizem. O gestor tem que se virar com aquela receita. Se a receita é imutável e insuficiente, a única saída é mexer na despesa. E como o gestor público mexe na despesa?

1. Pagando maus salários aos médicos.

2. Exigindo maior empenho e maior resolutividade do médico, estendendo jornadas e ou número de atendimentos sem querer pagar mais por isto.

3. Burocratizando os pedidos de exames complementares e disponibilizando pouco volume para realização dos mesmos. Intermináveis tarefas de preenchimentos com a necessidade de um formulário para cada exame complementar, gerando dispêndio de tempo e alto custo em papéis. O formulário para solicitação de exames bioquímicos é um bom exemplo. Como se não bastasse, a relação de exames contidos no formulário está totalmente fora de ordem alfabética, gerando mais desgaste para o médico à procura do exame desejado. É comum depararmos com informações solicitadas nos formulários que entendemos serem desnecessárias à confecção dos exames, por exemplo: nome da mãe do usuário, ponto de referência da residência, código do IBGE , CNES, CPF e matrícula do médico solicitante, número da notificação SINAN, história clínica do paciente com hipótese diagnóstica e CID10. Com isto cria-se uma demanda reprimida que obriga o usuário a esperar demasiadamente. Sinto que esta prática visa à geração de um menor número de procedimentos complementares, pela dificuldade de preencher formulários. Com isto poupam-se investimentos. Há exames em que o paciente não pode esperar.

4. Dificultar o acesso à consulta de especialidade. Com isto diminui a necessidade de mais contratações de especialistas. Isto gera também demanda reprimida e o paciente ou contenta com o parecer e tratamento de um generalista ou por seus próprios meios consulta um especialista particulóide (consulta de especialidade com encaminhamento proveniente do SUS – a chamada consulta social).

5. Dispensação defectiva de medicamentos. Num momento, na farmácia básica, falta anticoncepcionais, noutro hipoglicemiante oral, noutro antihipertensivo e assim sucessivamente. Este rodízio de faltas dilui-se as queixas, gerando um menor desgaste para o setor público e o usuário acaba ficando sem o medicamento ou comprando, com o argumento de que as faltas são temporárias e não custa nada fazer um certo esforço e comprá-las. Isto gera algumas economias aqui e acolá.

6. Manutenção e materiais de limpeza e higiene. A Vigilância Sanitária faz vista grossa quanto à higiene e a limpeza, os setores responsáveis cobram e o gestor manda o que tem. Se é suficiente, bem; se não, fica sem. Onde já se viu um Posto de Saúde sem um filtro de água? E tem muitos Postos sem...

7.Registro eletrônico de consultas em um programa de computador obsoleto. Com registros que servem muito mais como contador do número de atendimentos do que para pesquisa de indicadores. Qual a conseqüência direta disto? De um lado um programa quase inexequível e de outro um sumário boicote ao registro por parte de quem de direito deveria preencher os espaçozinhos em branco do prontuário eletrônico. De tal forma que, quem quer que seja, ao fazer uma pesquisa das consultas anteriores de qualquer paciente, vai encontrar verdadeiros absurdos. Isto gera entraves éticos gravíssimos e não contribui como base de dados para estratégias de prevenção de campanhas. O programa não recebe investimentos e anos após anos não consegue processar o quantitativo de informações existentes. Sem contar que existem dias em que é impossível assentar qualquer informação neste prontuário e tudo tem que ser feito à mão.

8. Não existe um Programa de Valorização do profissional de saúde. Não há um programa de humanização e conscientização do serviço. Isso geraria despesas, pois necessitaria contratar pessoal qualificado para tal e o objetivo é economizar. Os espaços na hierarquização do organograma dentro da Secretaria de Saúde vão sendo ocupados por pessoal sem conhecimento técnico, que nomeia ou promove servidores sem qualificação técnica para o exercício da função. São funcionários extremamente esforçados, eficientes e eficazes naquilo que incumbiram de fazer. Confeccionam protocolos esdrúxulos e batem o carimbo: CUMPRA-SE, transferindo para a ponta do sistema, obrigações que geram mais insatisfações e tensão. Não estão interessados na qualidade do serviço médico. Aliás, quanto mais questionável for a qualidade do trabalho médico, mais confortável fica para que enfermeiros, nutricionistas, assistentes sociais, psicólogos e outros, mostrem suas respectivas importâncias nesta cadeia hierárquica. Não é incomum vermos pessoal de outras áreas realizando atos médicos. O pessoal com conhecimento de Medicina Coletiva, os chamados sanitaristas são peças raras no sistema.

Esses fatores são os mais importantes na construção de um desgaste quase instransponível na vida de um médico do sistema público. Na tentativa de minimizar este desgaste, o médico tenta diminuir sua angústia, acreditando que entrando para o sistema público ele terá um complemento de renda sem a necessidade de empenho. Ledo engano. O médico está entrando numa cilada. Quanto maior é seu descompromisso com o serviço público, mais vulnerável se torna frente às questões éticas. Quanto maior for a sua omissão, mais espaço vai surgindo para os aproveitadores desqualificados ocuparem. Quanto mais superficial você se torna e menos tempo gasta, no atendimento aos usuários, mais o gestor entende que você está ocioso. E como se não bastasse, o discurso administrativo é aconselhador: “o médico tem que parar de achar que o serviço público é subemprego, bico...!”

Assim como muitos, eu acredito que não é bico, que não é subemprego. Mas então respeite-nos, valorize-nos e não nos roube a dignidade. Não nos empurre goela abaixo uma tarefa impossível de ser cumprida.

Gestor público, exija mais empenho, mais dedicação, mais qualidade... mas faça a sua parte!


Fonte : Dr. Neudes Ribeiro

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Novo Código de Ética Médica - Instrumento que qualifica o exercício da medicina no Brasil

Gestado por aproximadamente dois anos, coordenado por uma comissão nacional composta de representantes das três entidades médicas nacionais e representantes da sociedade civil, com uma ampla gama de buscas de conteúdo, dentro e fora da categoria, com mais de 2500 contribuições advindas das entidades médicas regionais e nacionais, sociedades de especialidades, contribuições individuais de médicos e médicas e sociedade civil organizada, três conferências nacionais de ética médica e uma assembléia plena do Conselho Federal de Medicina culminando com a vinda oficial à luz pela publicação no Diário Oficial da União de 24 de setembro de 2009, nasce o novo código de ética médica com a cara da construção coletiva.

Mostra que o saber coletivo dos médicos brasileiros é capaz de produzir, entre outras coisas, um grande instrumento de qualificação do exercício da medicina no Brasil e do relacionamento da categoria com a sociedade.

O novo Código de Ética Médica nasce com o ”jeitão” de ser um pacto de bem relacionar, uma carta de intenção da categoria para com a sociedade brasileira possibilitando, a cada cidadão e cidadã desse país, ter acesso ao melhor da atenção e da assistência médica, onde a parceria entre os médicos e a sociedade é selada, na conquista desses objetivos.

O novo código de ética médica reposiciona, amplia e aprofunda os princípios éticos da medicina no Brasil. Orienta, responsabiliza e qualifica as relações entre os médicos, entre estes e os indivíduos, pacientes ou não, entre os médicos e a coletividade da qual ele faz parte. Confere condições para que o saber médico, do mais simples ao mais complexo, possa ser disponibilizado a todos de maneira não só de atender as necessidades de cada um, mas também as coletivas, respeitando os melhores valores éticos e morais produzidos por nossa sociedade.

Avança, o código, assumindo que a dimensão do exercício da medicina já transcendeu ao binômio médico-paciente assumindo outros tais como médico-trabalhadores e médico-sociedade.

Com uma grande responsabilidade, o novo Código de Ética Médica aprofunda a discussão sobre a autonomia do paciente, reconhece-a e implementa-a.Que o trabalho médico não se exerce apenas dentro das unidades de saúde, fruto de demandas provocadas pela necessidade de tantos levando o médico a uma situação de busca ativa, a tomar atitudes, a ser pró-ativo, indo ao encontro das pessoas e da sociedade, freqüentando o chão da fábrica, o labirinto das cidades ou a extensão do campo, como o “artista que tem que ir aonde o povo está” ciente de suas responsabilidades e compromisso com a transformação de sua realidade e da dos que o rodeiam.

Conhece o médico pesquisador e o instiga a buscar e disponibilizar o saber com todos fazendo da pesquisa um instrumento de cidadania, explicitando e tornando conhecido o conflito de interesses bem como os objetivos da ciência sustentando o respeito à pessoa humana que conjunturalmente se apresente como objeto de pesquisa.. Assume e torna transparente toda a sua responsabilidade com o cuidar da vida e com o buscar conhecimento. Convoca, o médico, a uma atividade médica cidadã onde se possibilita atrelar ao ato de curar ou amenizar dores, respeito, compromisso, companheirismo, humanidade. Ações e intervenções responsáveis junto às nossas diversas comunidades na busca da qualificação do viver de todos nós.

Um código construído na primeira pessoa do plural. Um código feito para todos nós.
Parabéns ao Conselho Federal de Medicina por ter tido a sensibilidade de fazê-lo como o fez. Parabéns à Federação Nacional dos Médicos e à Associação Médica Brasileira por não terem se furtado ao chamado assumindo o compromisso e sua parcela de responsabilidade no processo, parabéns às entidades médicas regionais e sociedades de especialidades, nacionais ou regionais, pela brilhante atuação e contribuições, parabéns a cada médico e médica, que individualmente, deram sua parcela de contribuição, parabéns a cidadãos ou entidades que nos ajudaram na construção de código de ética.

Certa feita um poeta disse que sonho que se sonha só é um sonho só, mas quando sonhamos juntos construímos nossa própria realidade. Ousamos sonhar juntos. Nasce o novo Código de Ética Médica.

Fonte : Eduardo Santana, vice presidente da Federação Nacional dos Médicos

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O abuso sexual na infância: fato incontestável

Apesar de o abuso sexual de menores ser um fato incontestável e que ocorre em qualquer lugar do mundo, atingindo todas as classes sociais e em todos os níveis de desenvolvimento econômico, ainda é tratado isoladamente e não com as verdadeiras e sérias consequências que ele acarreta. O pior é que a agressão sexual na infância é normalmente feita por pessoas próximas, ou seja, em quem a criança confia e conhece.

Pela incapacidade de revelar seus graves problemas, a criança sofre calada durante anos. E por ser um fato lamentável e muito constrangedor, é desconhecida a incidência real desse crime, o que dificulta as condutas preventivas jurídicas e médicas.

Além da total agressão física e psicológica, a criança corre o risco de adquirir doenças sexualmente transmissíveis e de uma gravidez indesejada, aumentando, em muito, a complexidade do caso. Portanto, cabe aos profissionais da área de saúde e a toda sociedade, ao tomar conhecimento dessas agressões contra a criança, proceder todas as medidas legais e protetoras em seu favor.

“É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.


Fonte : Clóvis Abrahim Cavalcanti

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

É preciso cuidar do cuidador

O Conselho Federal de Medicina realizou um estudo, há dois anos, sobre a qualidade de vida e as doenças que mais atingem os profissionais da Medicina. Outros estudos já foram feitos e ultimamente se tem observado que algumas doenças têm suas incidências aumentadas entre os médicos e quase todas relacionadas com a vida estressante da grande maioria desses profissionais.

O nível de estresse se inicia no período do vestibular, em que a elevada concorrência para Medicina obriga os jovens a dedicarem tempo integral aos estudos. Durante os seis anos de graduação, os dois turnos são ocupados com aulas teóricas e práticas e os períodos noturno e de fim de semana são ocupados com estágios (plantões) e estudos, o que geralmente exclui esses estudantes de outras atividades sociais, levando a um grande número de casamentos dentro da profissão.

Ao término da graduação, temos prova para Residência Médica (especialização), o que leva a um outro período de competição. São mais dois a cinco anos de aprimoramento profissional antes de entrar no mercado de trabalho. E ao concluir a Residência Médica, após oito a doze anos de estudos entre graduação e pós-graduação, se inicia a busca pelo sucesso profissional, quando se almeja o primeiro emprego.

Concurso é coisa rara e o trabalho precarizado é a regra. O corre-corre de cidade a cidade ou de plantão a plantão é responsável por um grande desgaste físico e psicológico, inclusive por mortes de médicos em acidentes nas estradas. O trabalho desses profissionais nas UTIs ou nas emergências hospitalares, quando se depara com a morte ou com o sofrimento intenso do ser humano, determina uma responsabilidade e tensão sem comparação a qualquer outra profissão.

É difícil não se envolver emocionalmente com o sofrimento de seus doentes e muitas vezes são, injustamente, responsabilizados pelos gestores pela difícil situação da saúde pública, mas mesmo assim continuam firmes, sendo fiéis ao juramento hipocrático e cuidando com amor do bem maior que Deus nos deixou: a vida.

Hoje, a realidade de mercado para o médico difere muito de 20, 30 anos atrás, quando boa parte vivia muito bem como profissional liberal. A sociedade tem de entender que o médico não é Deus e, sim, um ser humano que tem as mesmas necessidades e desejos dos outros. O médico também é passível de erro e o compromisso com a profissão que abraça o faz viver no limbo entre a vida e a morte. O médico chora, adoece, sofre e morre como qualquer outro mortal. A sua qualidade de vida está comprometida devido às precárias condições de trabalho, jornadas extenuantes, salários aviltantes, múltiplos empregos e ausência da família, sem muitas vezes ter os direitos trabalhistas que a lei garante para os outros trabalhadores. Hoje, o médico está morrendo mais cedo e muitas vezes deixando a família em situação difícil.

Infarto do miocárdio, hipertensão arterial, AVC, depressão, ansiedade, suicídio, alcoolismo e outras dependências químicas, além de acidentes automobilísticos, entre outras, são responsáveis pelo encurtamento da vida desses profissionais e da queda de sua qualidade, e deve servir de reflexão para a sociedade e para o poder público, que é o grande empregador. Ser médico é uma missão divina.

Fonte : José Maria Pontes

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Por que somos contra a CSS?

Lá vamos nós, mais uma vez. A economia está em crise, a arrecadação de tributos vem caindo e o governo federal, como sempre, pretende resolver o problema da crise da saúde metendo a mão no bolso dos cidadãos. Do nosso ponto de vista, a proposta de um novo tributo para a saúde, no momento atual, beira o absurdo, considerando-se os itens abaixo numerados:

Primeiro – No intervalo de sete anos (2001 a 2008), o governo federal sonegou do setor saúde aproximadamente R$ 5,4 bilhões. A constatação é do Ministério Público Federal. Essa artimanha tem sido realizada através da inclusão, no Orçamento da Saúde, de gastos com o programa Bolsa-Família e outros programas de caráter assistencial. É bom esclarecer que esse tipo de "maquiagem" do orçamento da saúde não é privilégio do governo federal. Estados e municípios são useiros e vezeiros nessa prática.

Segundo – A esses R$ 5,4 bilhões devem ser acrescidos R$ 14 bilhões que representam os valores que os segurados dos planos privados de saúde deduzem de seus Impostos de Renda. Ou seja, pagam por um lado e o Estado devolve (financia) pelo outro.

Terceiro – Em 2008, o Brasil pagou R$ 120 bilhões de juros da dívida pública, o chamado "superávit primário" (com o meu, seu, nosso dinheirinho). Para a saúde foram destinados R$ 48 bilhões. Possivelmente não utilizados na totalidade, em função dos "contingenciamentos" praticados pelo governo.

Quarto – Faz parte do escândalo do Senado a "descoberta" de que os senadores e seus dependentes gastam a absurda quantia de R$ 60 milhões/ano com assistência a saúde. Na Câmara dos Deputados, os gastos são semelhantes: R$ 55 milhões/ano. Esses valores ultrapassam o orçamento próprio da imensa maioria dos 5.564 municípios brasileiros.

Quinto – O volume de recursos financeiros que o governo federal deixa de arrecadar através dos mais diferentes tipos de renúncias, incentivos, subsídios, filantropias, desvios, somados a corrupção, superfaturamentos e sonegações, representa, no mínimo, 10 vezes mais do que os R$ 12 bilhões que ele afirma que vai subtrair da conta dos correntistas.

Portanto, enquanto o governo federal não apresentar políticas claras e bem definidas para enfrentar e combater o conjunto dos problemas acima mencionados, continuaremos mobilizados contra a aprovação da "nova CPMF".



Fonte : Lúcio Barcellos

sexta-feira, 20 de março de 2009

Como combater a epidemia dos falsos médicos?

Mário Ferrari*

Não são de hoje as iniciativas de combate ao charlatanismo e curandeirismo.

Há oitenta anos, no Rio de Janeiro, foi criado o Sindicato Médico do Brasil para dar um rumo e proteger a sociedade contra o exercício ilegal da medicina. Naquela época, como hoje, crescia o número dos práticos que, sem formação, exerciam a medicina.

Atualmente, de norte a sul e de leste a oeste do país, temos notícias do aumento crescente de inescrupulosos exercendo ilegalmente a profissão médica. A conduta criminosa coloca em risco a saúde e a vida dos usuários.

Mais recentemente, falsos médicos foram flagrados como plantonistas em hospital de Campo Largo, região metropolitana de Curitiba. É isso mesmo, falsos médicos, criminosos, trabalhando num setor estratégico do serviço público, terceirizado. A conivência omissiva das autoridades precisa ser investigada.

Não se trata de caso isolado, o sindicato médico denúncia isso há anos, é a ponta do iceberg. Entre as responsabilidades impostas aos que pretendem integrar uma categoria como a dos médicos e demais profissionais há disciplina na CLT ao tratar da contribuição sindical. No caso Campo Largo, os falsários compareceram na associação de médicos da cidade, apresentaram carteira do CRM e só. Não existiu a cautela do contratante terceirizado ou da associação em consultar o banco de dados do sindicato médico que poderia certificar a regularidade ou não para o exercício profissional dos pretendentes à contratação.

Agora se sabe, não foram apresentados documentos essenciais para a contratação, ou seja, a comprovação de recolhimento da contribuição sindical e com certeza a prova de quitação no CRM. As notícias sugerem que pessoas ligadas à organização social terceirizada vinham recebendo parte da remuneração paga aos falsários.

A cumplicidade parece estar presente. O contrato entre a empresa e o município, independentemente dos falsos médicos, nasceu nulo.

É preciso dar um basta nessa situação. Sem a comprovação dos recolhimentos e documentos exigidos, as empresas não podem sequer comparecer às concorrências públicas. Essas organizações sociais, que epidemicamente se espalham pelo país, possibilitam as crescentes contratações de falsos médicos. Seriam elas utilizadas para acobertar outras condutas criminosas?

Há necessidade de investigação, de se estabelecer responsabilidades diretas e indiretas. As repartições públicas têm obrigação nesse controle. Exigir a prova de quitação da contribuição sindical é apenas uma das exigências que municípios deste estado não estão cumprindo.

Conceder alvarás de licença ou localização a consultórios e clínicas sem atenção a exigências de lei contribui, não só para o exercício ilegal da medicina, mas também para o de outras profissões.

Quantos falsários estariam se passando por enfermeiros, psicólogos e outros profissionais de saúde? Os mecanismos de prevenção contra o risco à integridade da saúde são as obrigações e penalidades impostas aos contratantes e contratados. Tanto os administradores públicos quanto os falsos médicos podem ser enquadrados na Lei que dispõe sobre os crimes hediondos. Esses falsários colocam em risco o bem mais precioso dos cidadãos, a vida.

Como combater essa epidemia de falsos médicos? Um dos caminhos é o recadastramento iniciado pelo Conselho Federal de Medicina com a exigência de todos os documentos previstos em lei desde o registro. Na concessão dos alvarás de localização e nas contratações, sob pena de nulidade, os gestores devem atentar para as exigências previstas. O controle do fluxo e a migração dos médicos no mercado de trabalho é uma constante e deve se dar através do recolhimento da contribuição sindical.

Daí, mais do que nunca há necessidade de cruzamento de informações entre o Conselho Federal e os Sindicatos Médicos. E, finalmente, a participação fundamental de qualquer cidadão. Em caso de dúvida, quanto à habilitação de quem vem exercendo a medicina, deve dirigir consulta ao sindicato médico e ao conselho de medicina. Essas medidas de interesse social podem revelar mais falsos profissionais, o que poderá levar a uma redução do exercício ilegal da profissão MÉDICA. Além dos falsos medicamentos, vamos combater os falsos médicos e os gestores que oferecem medicina falsificada aos usuários da saúde.

Combater o crime é dever de todos!

* Presidente do Sindicato dos Médicos no Estado do Paraná, Diretor de Saúde Suplementar da Federação Nacional dos Médicos.

terça-feira, 17 de março de 2009

A excomunhão de um herói

Por: Herberth Marçal - Médico


Recentemente, acompanhamos na mídia uma notícia hedionda; um padrasto estuprou e engravidou, gravidez gemelar, uma menina de 9 anos com 32 kg. O crime ocorreu em Recife, onde causou grande comoção popular com repercussão internacional.

Sabe-se que uma criança de nove anos não tem seu aparelho genital preparado para a reprodução e muito menos para o parto e, com o agravante de ser uma prenhez gemelar. Os riscos de complicações seriam nefastos para a gestante impubescente. Naturalmente, essa criança não foi só comprometida organicamente, foi também lesada psiquicamente. É notório que para haver um ato sexual e, posteriormente, uma gravidez, precisamos de um amadurecimento da genitália feminina externa (vulva e vagina) e interna(útero, ovários e trompas).Com isso, teremos um canal vaginal totalmente preparado para a introdução do órgão sexual masculino, um ovário atuante que dará sustentação e manutenção hormonal e um útero receptivo para o acolhimento do feto caso ocorra uma gravidez.

Há várias particularidades clínicas acerca dessa gestação. Uma delas obviamente desconhecida pela igreja, é que a evolução desta gravidez gemelar em uma criança de nove anos é quase sempre incompatível com a vida da gestante e dos fetos, ou seja, se fóssemos ouvir a voz do clero teríamos a mãe e as respectivas crianças mortas.Qual a solução?

Desnecessário salientar que esta pobre criança não estava preparada para tal intento e, além de ter seu corpo violado, escoriado, ferido, dolorido em suas partes intimas com seqüelas físicas imprevisíveis, teve ainda, seus sentimentos revirados, suas emoções e seus sonhos infantis destruídos. Por fim, sua infância perdida.

Em certo sentido, é patético ouvir declarações infundadas de um clero arcáico que despreza a doutrina médica e, consequentemente, a vida de uma criança, vitima do maior inimigo da igreja: “ O demônio “ que, paradoxalmente, foi combatido por esta instituição durante toda a existência do cristianismo.

Assim, julgo imprescindível um parecer técnico, uma analise embasada na literatura médica para que possam vislumbrar o melhor para esta menina gestante.

Destarte, para que a igreja não tenha que se desculpar no futuro como já fez em outrora, sugiro que faça uma avaliação humana da situação abdicando a hipocrisia a demagogia e a vaidade pusilânime.

Sobretudo, não demandaria muitos esforços para entender que esse procedimento de interrupção da gestação, foi uma atitude corajosa, legítima, altiva de um grande médico, que poderia muito bem ter recusado tal procedimento evitando assim, o risco cirúrgico, a exposição na mídia e o julgamento popular.

Não obstante à magnanimidade de seu ato, e do procedimento cirúrgico ter ocorrido sem complicações a igreja foi implacável, excomungou-o. Excomungou um herói.

terça-feira, 3 de março de 2009

Os médicos e a violência

Por: Antônio Pinheiro e Waldir Cardoso*

Manchete do jornal O Liberal, de Belém (PA), na semana passada, confirma que os médicos em seu trabalho também acusam sentir na pele o aumento da violência que amedronta o cidadão brasileiro.

Em constatação da própria Secretaria Municipal de Saúde (SESMA) de Belém, as demissões tem desfalcado o atendimento principalmente na periferia, em vista destas ocorrências, deixando mais uma vez como vítima maior a população excluída e desprotegida pelo poder. Como se já não bastasse o descaso com as condições de saneamento, agora ficam também sem acesso ao atendimento médico.

Nos anos de 2007 e 2008, os casos de médicos agredidos e até assassinados em pleno trabalho ou no deslocamento antes ou após aumentaram consideravelmente, culminando com movimento nacional deflagrado pela associação de médicos peritos, inclusive com paralisações que pleiteavam mais segurança no que foram apoiados pelas entidades médicas nacionais. Os médicos que em seu labor contaram sempre com maior consideração e respeito até pela imagem cultuada da profissão, hoje vêem-se acuados não só nos postos da periferia como refere a matéria jornalística, mas também em seus consultórios e clínicas nas áreas consideradas mais nobres das grandes cidades. Aí estão os estabelecimentos de saúde com grades, corpo de guardas, câmeras e alarmes. Sobressaltados ficam os médicos, funcionários, pacientes e acompanhantes, tornando o ambiente de trabalho onde se necessita de concentração e tranqüilidade, verdadeiras fortalezas, com portas eletrônicas a cada passo. Relatos são cada vez mais freqüentes de assaltos a mão armada e até alguns com ameaças físicas. Muitos médicos preferem edifícios de conjuntos de salas tentando com isto a diminuição destas ameaças, o que nem sempre é maior garantia. O que fazer? Como continuar no trabalho, seja publico ou privado nestas condições? Como exigir do médico que precisa exercer atividade em áreas de risco que se exponha mais do que já faz, ao trabalhar a maioria das vezes sem condições adequadas, só com seu conhecimento, o estetoscópio e o jaleco branco?

Somos todos hoje, médicos ou não, cidadãos temerosos, com olhares desconfiados, reféns de um mesmo sistema que represou a miséria e a falta de cuidado com muitas gerações e que hoje sofre as conseqüências destes atos. Devemos todos assumir nossas responsabilidades, mesmo que indiretas, sob pena de termos um futuro mais sombrio ainda para nossos filhos. Cobrar dentro de nosso pequeno universo social com reclamações e imprecações não é suficiente. É preciso mais. É preciso que nos unamos todos em exercício de cidadania para discutirmos e decidirmos nossos direitos sociais e políticos. Dissociados do ruído que vem desta distensão humana e que nos põe uns contra os outros, seremos tão descuidados quanto os que não viram lá atrás a possibilidade deste enfrentamento cruel.

É visível a preocupação dos diversos setores da sociedade demonstrada pelos grupos de discussão e estudos sobre as questões aqui abordadas. Tentativas constantes são encontradas na rede de comunicação mundial numa troca de opiniões e enriquecimento político, como se fosse um preparo demorado para uma verdadeira remontagem da carcomida e sempre repetitiva estrutura dos poderes constituídos. Espasmos tímidos de uma necessária renovação de pensamentos e principalmente de nomes (voltam Sarney e Temer) são sufocados com promessas vãs e bolsas qualquer coisa.

É hora de começarmos a ver os acordos espúrios feitos para obtenção de cargos no viciado círculo político, criando uma espécie de ética amoral, válida só para o vizinho e nunca para todos. Participação é a palavra antiga e sempre necessariamente lembrada nestes momentos e que deve ser motivo de reflexão para todos, infelizmente movidos agora pela insegurança e pelo medo.

A categoria profissional médica, sempre considerada uma das mais importantes dentre todas, tem obrigação de liderar através de suas entidades oficiais um movimento em busca da paz social e de um futuro saudável, seja no exercício da atividade responsável e humanizada inerente ou na conscientização em seu convívio do dia a dia.

Ação e participação são o que o momento exige dos médicos e de suas entidades representativas. Procurar um caminho é urgente medida.

* Antônio Pinheiro é conselheiro do Conselho Federal de Medicina pelo estado do Pará. Waldir Cardoso é diretor do Sindicato dos Médicos do Pará.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

SIMPLES, reduz carga tributária!

* Mario Antonio Ferrari

Historicamente, os médicos no exercício autônomo da profissão, atendiam os pacientes sem qualquer tipo de intermediação. Desde a reforma do Código Civil brasileiro vêm sendo “estimulados” a se organizar como pessoas jurídicas para a prestação de serviços. Há planos de saúde que, no ato da renovação ou do credenciamento inicial, impõe aos contratados, antes prestadores autônomos, a constituição dessa figura jurídica. Divulgou-se que a mudança na forma de prestar serviços redundaria economia, principalmente, de ordem tributária. Os fatos, no final das contas, têm revelado o contrário.


Se, de um lado, o aumento do ônus em face da responsabilidade civil atinge todas as pessoas jurídicas, de outra banda propalada “economia” resultante da imposição/opção pela nova forma de prestação de serviços não alcança a todos. Os profissionais queixam-se de bi-tributação do Conselho e do sindicato dos médicos.

O sindicato é o órgão representativo e de defesa dos médicos e, portanto, para o exercício da atividade, os registrados no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) devem a ele recolher a contribuição sindical (profissional).

Já, com relação, as pessoas (empresas) registradas do Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) a regra geral é de que seja realizado outro recolhimento das contribuições ao sindicato que representa os interesses dos hospitais e estabelecimentos de saúde. Nesse sentido não se comunicam o CPF do médico com o CNPJ de sua empresa.


De acordo com a regra geral a empresa devidamente registrada no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, está submetida ao recolhimento da Contribuição Sindical Patronal de acordo com a tabela legal. De outro lado, o profissional (médico) parte integrante da mesma sociedade e devidamente inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas, continua submetido às regras da CLT, devendo recolher a Contribuição Sindical na condição de pessoa física/profissional autônomo, como consta no texto legal. E nesse sentido não há a questionada bi-tributação.


Alguns médicos não se conformam e lamentam a carga tributária a que são submetidos e, por desconhecerem detalhes e as exceções da lei, pedem providências ao sindicato de defesa profissional.


A exceção à regra é legalmente estabelecida e o conflito constatado encontra solução na Lei 9.317/1996. Ao instituir o Sistema Integrado de Pagamentos de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (SIMPLES) o legislador arrolou os tributos devidos e os dispensados.


O texto dispõe que a inscrição no SIMPLES implica pagamento mensal unificado de vários impostos/contribuições ali mencionados e dispensa o recolhimento das demais contribuições sociais. Desta forma, a contribuição sindical, na condição de tributo instituído pela União, não é devida pelas microempresas e empresas de pequeno porte optantes do SIMPLES.


Em síntese, os médicos que optaram ou foram obrigados a se constituírem como empresas (pessoa jurídica), independentemente, do número de componentes e, desde que tenham escolhido a inscrição pelo SIMPLES estão dispensados do recolhimento da contribuição sindical patronal, cobrada pelos sindicatos dos hospitais e estabelecimentos de saúde.


A obrigação em relação à contribuição sindical das pessoas físicas (médicos) devida aos sindicatos dos médicos permaneceu inalterada e, independentemente de intermediação, deve ser recolhida até o dia 28 de fevereiro pelos que trabalham como autônomos.


Os interessados na recuperação de contribuições recolhidas indevidamente e nas isenções tributárias estabelecidas pela lei do SIMPLES devem entrar em contato com as assessorias de seus sindicatos profissionais.


* Mario Antonio Ferrari – Presidente do Sindicato dos Médicos no Estado do Paraná e Diretor de Saúde Suplementar da Federação Nacional dos Médicos.