quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Pirataria de produtos médicos e vidas humanas

por Aurimar José Pinto* - Artigo extraído do Portal Saúde Bussiness

Em artigo, Aurimar José Pinto diz que setor deve fazer força-tarefa para combater produtos piratas

A globalização e as novas tecnologias foram fundamentais para a melhoria dos serviços de saúde em todo o mundo, mas também foram instrumentos para o avanço da pirataria no mercado de produtos e dispositivos médicos. A falsificação de produtos na área médica assusta porque, além de crescente, está cada dia mais sofisticada. E o risco se reflete diretamente na vida do paciente. A meta e o desafio para os representantes das grandes empresas, fornecedores e associações do setor de saúde é trabalhar em conjunto com o Governo Federal para uma conscientização pública de combate à pirataria.

Cada produto pirata no setor de saúde pode resultar em uma vida perdida. O cenário, que já é grave na área de medicamentos, também é muito preocupante no setor de produtos e insumos médicos. Atualmente, são registrados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de quatro casos diários de pirataria no setor de saúde. Em 2007, foram conhecidos 1,5 mil novos casos de falsificação.

Hoje em dia, a pressão econômica por menores preços em produtos para a saúde é uma das causas da pirataria. Trata-se de um mercado secundário, realizado principalmente em sites de leilões virtuais, onde as procedências do produto e do fabricante são de difícil fiscalização e controle.

O mercado crescente na internet permite que os produtos falsificados se proliferem no mundo inteiro, p ela facilidade de importação sem o devido controle deste comércio. O usuário pode comprar, por exemplo, uma válvula cardíaca tão facilmente como compra uma mala, ou uma camiseta de um time de futebol.

Vale ressaltar que os produtos falsificados não seguem as regras e padrões internacionais de qualidade. Não são esterilizados, não são testados. São apenas cópias, às vezes bem feitas, de produtos já existentes no mercado. Assim como qualquer cidadão compra um CD ou um DVD pirata, existem centros médicos adquirindo produtos falsificados. Ou seja, se os CDs piratas não funcionam por sua péssima qualidade, dá para imaginar o que pode ocorrer com um produto médico sem qualidade garantida que será utilizado em um procedimento cirúrgico O resultado pode ser trágico.

Nos últimos anos, os falsificadores estão se especializando em "enganar" os especialistas do setor de saúde. No evento "Combate à Pirataria no Setor de Saúde", realizado no último 31 de outubro, na Câmara Americana de Comércio (Amcham), em São Paulo, Anvisa e representantes da indústria e distribuição, discutiram quadro preocupante da falsificação. Muitas linhas de produtos, de alta ou baixa complexidade, esterilizadas ou não, estão sendo falsificadas.

As características comuns dos falsificados são: má qualidade do material e a falta de esterilização. Porém, o mais preocupante é que dificilmente usuários e autoridades conseguem identificar essas diferenças a olho nu. Por isto a necessidade de uma força tarefa que estabeleça políticas e procedimentos que revertam em ações punitivas e severas aos praticantes.

Outro fator que fortalece a pirataria são os recursos financeiros e tecnológicos que os falsificadores possuem. Agem, em geral, sob o comando de organizações criminosas que conseguem facilmente cópias originais de produtos e embalagens, que associados à disponibilidade das tecnologias de embalagem, fazem com que as mesmas sejam de boa qualidade, protegendo um produto sem nenhuma qualidade, segurança e eficácia. .
A relação entre altos lucros e sanções pequenas também é outro fator relevante do crescimento da pirata na área médica. A baixa eficiência na aplicação das leis acaba por estimular o falsificador. Precisamos estudar um novo sistema de legislação de combate à pirataria e estabelecer um novo marco jurídico que possibilite uma pena rigorosa para os piratas.

A meta dos principais representantes do setor de saúde e do Governo é a de realizar uma força-tarefa de combate ao produto pirata. Devem ser protagonistas para reverter esse quadro, fabricantes, fornecedores, hospitais e clínicas, médicos, agentes sanitários, agentes alfandegários, Polícia Federal, entre outros participantes da cadeia. E com um único intuito: salvar vidas humanas.

* Aurimar José Pinto é presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Equipamentos, Produtos e Suprimentos Médico-Hospitalares (Abimed) - abimed@abimed.org.br

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A Máfia dos Parasitas

Texto da coluna de Opinião do Estadão - Quinta-Feira, 06 de Novembro de 2008


Todo tipo de fraude e de desvio de dinheiro público provoca justificado repúdio da sociedade - pois lesa o patrimônio coletivo, produto do esforço de todos -, mas quando se trata de fraudes praticadas no campo da saúde pública, mais que repúdio, isso provoca profunda revolta, pois aí afetam, além do patrimônio, a saúde e a vida das pessoas. Relatório da inteligência da Polícia Civil de São Paulo, no bojo da Operação Parasitas - que investiga esquema envolvendo 21 hospitais públicos e 29 prefeituras dos Estados de São Paulo, Minas, Rio e Goiás -, apurou que as fraudes não se limitavam aos pregões eletrônicos e às licitações.


Pior, a quadrilha investigada recebia o dinheiro dos remédios e produtos, mas não entregava as mercadorias ou o fazia em volume inferior ao determinado pelos contratos, "causando falta de suprimentos nos já exíguos estoques das unidades hospitalares". Pior ainda, o relatório questiona a qualidade "duvidosa, diversa daquela especificada nas licitações", dos materiais entregues pelas 11 empresas suspeitas. É que os acusados forneciam "amostras cuidadosamente preparadas" para atender às especificações técnicas e encomendavam "laudos a laboratórios duvidosos atestando a qualidade de seus produtos". Certamente isso criava confusão e agravava "os transtornos de toda a ordem aos profissionais que faziam uso de tais produtos". Quer dizer, os fraudadores agiam com proficiência e requinte na arte do engodo.

O promotor José Carlos Fernandes Junior, da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público de Uberaba, tratando do contrato celebrado entre aquele município e a empresa Home Care Medical - uma das principais implicadas na Parasitas -, suspenso em outubro de 2007 por decisão da Justiça, resumiu a questão: "O que se descortinou neste inquérito civil mostra com clareza que o caso da saúde pública não reside, principalmente, na falta de recursos públicos, mas antes de tudo na falta de moralidade administrativa de alguns. É uma verdade, uma triste verdade, mas a mais pura verdade."

Aliás, é da Justiça naquela cidade mineira que surge a primeira medida judicial efetiva nessa área (ainda sujeita a recurso), determinando o afastamento do recém-reeleito prefeito Anderson Adauto, em razão do mencionado contrato com a Home Care Medical, para a gestão das farmácias e do almoxarifado da Secretaria da Saúde do município. Foi decretado ainda o seqüestro dos bens de Adauto, do secretário de Governo de Uberaba, João Francisco Junior, da funcionária pública Vera Lúcia Silveira Abdalla e da offshore River Finance Co., que tem sede no Panamá e é sócia da Home Care.


Quanto a Anderson Adauto, é conhecida sua trajetória política enredada em escândalos. Ministro dos Transportes do governo Lula, apenas duas semanas após sua posse no cargo - em janeiro de 2003 - já teve seu nome ligado a um caso de irregularidade: na Justiça Eleitoral correu acusação de sua participação em desvios de recursos da Prefeitura de Iturama (MG). Posteriormente, apareceu como um dos beneficiários do valerioduto, no escândalo do mensalão. Admitiu, então, ter pedido ajuda ao PT para quitar dívidas de sua campanha a deputado em 2002. Alegou ter recebido R$ 200 mil, mas a contabilidade do empresário Marcos Valério indicou R$ 1 milhão.


A denúncia contra Adauto, em Uberaba, partiu de seu ex-secretário de Saúde, que testemunhara encontro no qual o prefeito acertara com o gerente da Home Care, Renato Delgado, um modelo de edital - o que caracterizava licitação com cartas marcadas. O negócio levara a promotoria a afirmar que ali "estava montado o esquema para dilapidação do patrimônio público municipal de Uberaba", o que consistia em um "verdadeiro negócio das Arábias, comparável ao acerto das seis dezenas da Mega-Sena".


O que mais espanta em vastos esquemas de corrupção, como o detectado pela Operação Parasitas, é a facilidade e amplitude com que se desenvolvem. E nisso está claro que prevalece a falta de controle de métodos e procedimentos na relação dos poderes públicos com terceiros - visto que fraudar licitações e pregões eletrônicos é fraudar o controle do próprio controle...

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Filas na Saúde, um eterno desafio

Por: Adolfo Silva Paraiso*


Tive a oportunidade de ler na edição do jornal o Estado do Maranhão do dia 21/09/08 as propostas dos candidatos à Prefeitura de São Luís para acabar com as longas filas de espera nos hospitais e marcação de exames.


As proposições que mais se destacaram nessa enquete foram: construir hospitais e recuperar a rede atual, implantação do cartão-saúde, ênfase na medicina preventiva, informatização e descentralização do sistema de marcação de consultas, contratação de novos profissionais, agendamento por telefone ou internet e orientar a demanda com hierarquização no atendimento por grau de complexidade para evitar a superlotação dos hospitais e centrais de marcação de consultas.


O que os candidatos não deixaram bem claro, bem explícito nessas entrevistas, foi a forma, ou seja, a estratégia a ser adotada para o cumprimento desses objetivos. Nesse sentido é bom lembrar, que as filas na porta dos hospitais não podem ser tratadas como um fato isolado e decorrente do desequilíbrio entre a oferta e a demanda.


Propostas que se concentram em desenvolver formas de regular o fluxo e administrar o tempo que os clientes estão propensos a esperar, mostram na prática que são ineficazes e levam sempre a uma insuficiência crônica da oferta o que vai se materializar em mais filas.


O ideal é que se desenvolva uma sistemática que resulte na extinção das filas sem que a relação oferta/demanda seja alterada e sem transferir a fila para o computador da Central de Marcação de Consultas.


A essência do problema é encontrar uma forma de regular a oferta (limitada pelos recursos disponíveis) e a demanda, de maneira que esta última não sature a primeira.


O gestor público deve, portanto, priorizar suas ações e adotar uma nova postura frente a essa problemática. O cenário de recursos humanos e materiais inesgotáveis nos órgãos públicos são utópicos e as filas não podem ser vistas somente como um problema exclusivo do aumento da demanda.


O usuário, por seu turno, precisa participar de forma ativa neste processo não apenas com críticas, mas mudando hábitos de vida e conceitos relativos à visão hospitalocêntrica que tem sobre o atendimento médico, o que deverá ser feito mediante a participação do Conselho Municipal de Saúde.


A primeira etapa passa pelo planejamento e execução de um programa para a conscientização e educação do paciente da necessidade de haver mudanças culturais e comportamentais. É preciso mudar o conceito de que só o atendimento hospitalocêntrico apresenta bons resultados. Pelo contrário, a superlotação dos hospitais leva a uma precariedade do atendimento e, pior, às vezes sem qualquer resolutividade.


Deve ficar claro ao usuário que uma consulta ambulatorial não é um atendimento de urgência e, não sendo uma urgência, não há premência nesse atendimento, que pode e deve ser pré-agendado, ou seja, compreender que não será mais necessário entrar em estágio crítico para enfrentar a busca por auxílio médico


O uso de uma nova sistemática de marcação de consultas deve levar, pela transparência de critérios, à democratização do acesso e compromisso formal e, conseqüentemente a uma mudança comportamental na motivação de procurar pelo atendimento médico.


O mais importante em todo esse processo de reconstrução da qualidade do atendimento médico na rede pública é a valorização do profissional e o investimento em recursos humanos.


Não adianta ter um sistema gerencial informatizado, transparente, modernas estruturas hospitalares com equipamentos de última geração sem a presença do profissional comprometido, motivado e qualificado para atender ao usuário do SUS.


Dessa forma, sugerimos ao futuro prefeito de São Luís que de imediato crie um Plano de Cargos Carreira e Salário da área da saúde com uma remuneração digna e compatível com a nossa responsabilidade, para que não se corra o risco de daqui há quatro anos estarmos a discutir e enfrentar os mesmos problemas.


Adolfo Silva Paraiso

* Médico, Presidente do Sindicato dos Médicos do Estado do Maranhão.

Sim, eu sou médico!

por Dr. Rodrigo de Oliveira Rodrigues*

Confira o artigo especial para o Dia do Médico, 18, do médico urologista, Rodrigo de Oliveira Rodrigues.

Apesar de todas as dificuldades e descontentamentos do exercício da profissão de médico, frente aos planos de saúde e as condições exaustivas de trabalho, me realizo todos os dias nessa profissão.

A medicina, como ciência milenar, é da maior grandeza em seu conteúdo de informações e admirável na beleza do estudo das funções e das fraquezas do corpo humano.

Consiste realmente em uma área única do conhecimento, completa em sua essência.

Como atividade profissional traduz-se na responsabilidade de lidar com seres humanos, muitas vezes nas frágeis condições, como enfermos, buscando curar-lhes as doenças e preservar-lhes a saúde.

Considero que a qualidade do bom médico vai muito além do conhecimento técnico-científico da medicina, consistindo na postura de um ser humano compreensível, benevolente, cúmplice e honesto sempre para com seus pacientes, acima de quaisquer benefícios.

Portanto o que me contenta em ser médico é me sentir útil e importante como pessoa, ao ser reconhecido por um paciente, agradecido a alguém que o ajudou a ficar curado e saudável de novo.

*Dr. Rodrigo de Oliveira Rodrigues é médico urologista, formado pela Universidade Federal de Uberlândia, com pós-graduação em cirurgia geral e urologia pela mesma instituição.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Vagabundos, errantes, nômades, inconstantes

Por: Clóvis A. Cavalcanti - presidente do Sindicado dos Médicos de Niterói, São Gonçalo e Região

A respeito das declarações do Governador Sérgio Cabral à imprensa:

O governador do Rio de Janeiro, Sr. Sérgio Cabral Filho, paga o aviltante salário de duzentos reais aos médicos do Estado que, com dedicação e abnegação, salvam vidas, apesar da falta de equipamentos e medicamentos, e não abandonam os seus postos de trabalho.

O governador realiza contratos pelas chamadas "cooperativas" em que há horário, vencimento fixo, chefia e outras irregularidades que devem ser observadas pelo Ministério Público.

O governador, tentando mudar o rumo da vergonhosa história contra ele, por ter prometido em campanha eleitoreira melhorias para a saúde pública, quer inverter o descaso do seu governo com as falsas promessas.

Inconstante, Sr. Sérgio Cabral Filho, são os falsos discursos em consertar o abandono nos serviços estaduais de saúde, até agora não cumpridos.

Nômade, foi a vergonha da epidemia de dengue, tão alertada pelas entidades médicas e que ceifou inúmeras e preciosas vidas.

Errante, é burlar a legalidade, com contratos pelas ditas “cooperativas”.

Errante é o vergonhoso salário pago aos médicos que trabalham em péssimas condições.

E são tantos os errantes, nômades, inconstantes, que o governador deveria pensar e repensar antes de fazer demagogias e politicagem anunciando falsas promessas, iniciando uma verdadeira recuperação da medicina, tão negligenciada em seu estado.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

SUS completa 20 anos e combina avanços inegáveis com problemas clamorosos

Autora: Renata Mariz

Matéria publicada no Correio Braziliense em 02/10/2008


O sistema que contribuiu para erradicar a poliomielite no Brasil é o mesmo que deixa crianças e adultos morrerem de dengue. No país que exibe um dos mais bem-sucedidos tratamentos públicos de Aids do mundo, pessoas esperam meses por consultas para doenças menos complexas. Uma rede com programa de transplantes que figura entre os maiores do planeta não significa, necessariamente, facilidade para fazer uma simples ecografia. A três dias de completar 20 anos de existência, o Sistema Único de Saúde (SUS) é sinônimo de contradição. Os avanços são incontestáveis. Especialistas advertem, entretanto, que problemas como falta de financiamento, gestão deficiente e dependência de serviços privados podem enterrar a rede pública de saúde brasileira.

Para o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, o “subfinanciamento crônico” é o principal desafio. Ele menciona pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo a qual 62% de todos os gastos em saúde no país são feitos pelas famílias, e apenas 38% pelo governo, e defende a regulamentação da Emenda Constitucional 29 — que determina percentuais de aplicação de verbas na área por estados, municípios e pela União. “Ela (a emenda) definirá o que são gastos em saúde. Somente com a correta aplicação dos recursos estaduais serão adicionados ao setor mais de R$ 5 bilhões. O texto também definirá uma maior parcela de valores que serão colocados pelo governo federal na saúde”, afirma o ministro.

Embora defenda a definição de uma fonte de financiamento para o setor, o presidente do Conselho Nacional da Saúde, Francisco Batista Júnior, não concorda que dinheiro deva ser a grande preocupação. Para ele, é preciso, além de mais investimentos, mudar a mentalidade de servidores, gestores e da própria população. “Estamos educados para exigir cada vez mais leitos, mais remédios, mais médicos. Ou seja, queremos curar a doença, e não preveni-la. Precisamos inverter essa lógica. Um exemplo é a grande quantidade de hipertensos e diabéticos que existem no Brasil. Por que não investir pesado em diagnóstico precoce antes que aquela pessoa precise de exames mais complexos, de medicamentos mais caros, de transplantes?”, questiona.

Abaixo do esperado

Na avaliação de Paulo Argollo, presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), o SUS está muito aquém do que se esperava 20 anos depois de sua criação. “Não tenho dúvidas de que conseguimos avanços em relação ao que se tinha antes, mas há distorções graves que precisam ser revistas”, afirma o médico. Uma delas está na quebra do princípio da gratuidade que, de acordo com Argollo, ficou caracterizada com o programa Farmácia Popular, que comercializa medicamentos a baixo custo. “Ora, o governo vende mais barato aquilo que deveria te dar de graça, conforme determinação constitucional”, critica o presidente da Fenam.

Outra falha grave, segundo Argollo, é a falta de controle social no setor da saúde, que deveria ser exercido por meio dos conselhos municipais e estaduais (formados por representantes dos usuários, de prestadores de serviços e profissionais da área). “Muitos se tornaram aparelhos políticos do prefeito, do governador”, afirma o médico.

O SUS EM NÚMEROS

140 milhões de pessoas (75% da população brasileira) dependem da rede pública para atendimento
400 medicamentos são ofertados nos três níveis de atenção: básica, estratégicas e de alto custo
28,1 mil equipes de saúde atendem 91,8% dos municípios brasileiros por meio do Programa Saúde da Família
82 milhões de pessoas dispõem de atendimento de saúde bucal por meio do Programa Brasil Sorridente
25 centrais estaduais viabilizam o maior programa público de transplantes de órgãos e tecidos do mundo, tendo realizado 15 mil transplantes no ano passado
3 mil pessoas são beneficiadas com o pagamento mensal de auxílio-reabilitação por meio das ações da Saúde Mental
130 milhões de vacinas são aplicadas por anoR$ 84 bilhões é o montante de despesas totais com saúde no Brasil, sendo 48,5% gastos federais.
10% dos postos formais de trabalho no país estão na área de saúde

Entrevista - André Luiz Bonifácio de Carvalho: “É preciso qualificação”

Especialista em saúde coletiva, o fisioterapeuta André Luís Bonifácio de Carvalho atua como diretor do Departamento do Monitoramento e Avaliação da Gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) desde o ano passado. Foi secretário municipal de Saúde de Campina Grande, na Paraíba, em 2003, e reconhece a dificuldade e a necessidade de articulação entre as esferas federal, estaduais e municipais para superar as limitações na atenção à saúde, mas dá dicas de qual seria um caminho a percorrer na superação do problema. “É fortalecer a atenção básica, estruturando complexos regionais de saúde”, ensina. Ao falar ao Correio sobre os 20 anos do SUS, reconhece que as diferenças regionais do país também atingem a área de saúde e acredita que o programa Saúde da Família e a ampliação da formação profissional ajudem a combater o gargalo no atendimento da população.

Por que em 20 anos o SUS não conseguiu minimizar problemas como hospitais lotados, demora no atendimento e limite no número de vagas para consulta?

Hoje a demanda é extremamente superior à capacidade que a rede tem por conta das inúmeras diferenças regionais que este país tem. Mas um caminho é fortalecer a atenção básica, estruturando complexos regionais de saúde. Um processo como esse implica articulação dos gestores, organizando suas redes públicas.

E quando será promovida essa organização?

Isso está sendo viabilizado por meio do programa Saúde da Família.

Mas como articular os governos e superar a deficiência na contrapartida de gestores estaduais e municipais?

Um ponto importante para essa superação é a regulamentação da Emenda 29, com definições claras do que são gastos em saúde. Essa definição ordenaria os orçamentos públicos. A discussão posterior seria como ordenar melhor esses recursos.

A carência de profissionais de saúde é outro ponto a ser superado pelo SUS, não?

Inclusive no processo de formação é preciso qualificação da gestão da rede de atenção básica de saúde. É um processo que está em curso e no qual o ministério vem investindo, junto com estados e municípios.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Liberdade Médica em risco

Por: José Antônio de Lima*
Fonte: Correio Braziliense, edição de 21 de setembro de 2008.

Nos dias atuais, em que o sistema de saúde do país já sofre com inúmeros e sérios problemas, setores do poder público vêm atuando de forma a levar a assistência à saúde a verdadeiro colapso, colocando em risco a lógica de funcionamento do sistema e, conseqüentemente, milhões de pacientes, médicos, hospitais e profissionais da área da saúde. A novidade diz respeito a fiscalização dirigida que o Ministério do Trabalho está promovendo em estabelecimentos hospitalares de todo o país. Durante as fiscalizações os agentes, de forma praticamente padronizada, solicitam aos hospitais nomes dos médicos que atuam ou atuaram em suas dependências ou com os quais mantêm ou mantiveram algum relacionamento. A seguir, sem ouvir qualquer das partes e sem maiores diligências, promovem a autuação dos hospitais, alegando que eles deveriam assinar a carteira de trabalho dos médicos, que seriam, na ótica da fiscalização, empregados dos hospitais.

Ocorre que, como é sabido e foi assim desde o início dos tempos, os médicos em regra não são empregados de hospitais, mas profissionais liberais e autônomos que assim exercem a medicina, atendendo seus pacientes, de forma individual ou organizados em pessoas jurídicas, tais como clínicas, cooperativas ou sociedades médicas. Nessas circunstâncias, não há relação de emprego, já que os ditos profissionais, além de não possuir subordinação em relação aos hospitais, não recebem remuneração ou honorários dos hospitais, mas de seus pacientes (clientes) ou dos Planos de Saúde e Seguradoras, com os quais ele ou a pessoa jurídica que integra mantêm convênios. Exercem com plena autonomia e liberdade a medicina, atuando simultaneamente em vários hospitais, públicos ou privados, e em consultórios ou clínicas particulares.

O corpo clínico de um hospital não se confunde com quadro de médicos-empregados O Corpo Clínico é o conjunto de médicos de uma instituição com a incumbência de prestar assistência aos pacientes que a procuram, gozando de autonomia profissional, técnica, científica, política e cultural (Resolução CFM 1.481/97). Mesmo com todo o avanço tecnológico, os hospitais não exercem a medicina,. Não poderia ser diferente, pois não examinam, não fazem o diagnóstico, não elaboram as receitas, não prescrevem a internação, não operam, não atestam quadros clínicos e não dão alta aos pacientes. Igualmente, não cuidam da administração de planos, seguros assistenciais.
Assim, estabelecimentos de saúde, médicos e empresas operadoras de planos/seguros de assistência à saúde exercem atividades distintas, autônomas e independentes embora compatíveis e harmônicas, concorrendo de forma organizada para uma finalidade comum a todos: o bom atendimento ao paciente. Pensar o contrário seria o mesmo que concluir que ícones da medicina, tais como Pitanguy e Zerbini, foram empregados do hospital tal ou qual apenas por ali atenderem ou operarem seus pacientes. Dessa forma, apesar de existir a figura do médico-empregado, ela é a exceção e não pode ser transformada em regra ou mesmo ser imposta por setores do poder público.

Primeiramente, porque tal conduta atentaria contra sagrados preceitos constitucionais que asseguram a liberdade do cidadão para o exercício da profissão, da atividade econômica e para se unir a outros com objetivos comuns, organizando-se como pessoa jurídica. Em segundo lugar, porque tal prática, além de arbitrária, significaria um verdadeiro caos no sistema de saúde do país.

Ademais, nessa situação absurda os médicos ficariam privados de seus honorários que pertenceriam aos hospitais. Como é notório, a relação empregatícia traz consigo pesados ônus de natureza fiscal e trabalhista, estimado hoje em mais de 100% daquilo que o empregado recebe como salário. Portanto, se tal ônus for indevidamente imposto à relação médico-hospitalar, ou o paciente pagará o dobro pelo atendimento, ou o médico, os hospitais e os planos de saúde receberão apenas a metade, sendo certo que todos serão levados à inviabilidade, já que hoje atuam com uma já apertada margem de operação. Mesmo os hospitais públicos, filantrópicos ou ligados ao SUS, que atualmente já se encontram em situação alarmante, não estarão livres, uma vez que terão que suportar pesados encargos, que, na prática, inviabilizam suas atividades e isso sem falar no passivo monstruoso relativo ao período pretérito à fiscalização.

O fato é um só: a liberdade médica se encontra em risco e o efeito disso é uma profunda alteração do modelo de saúde do país, com pesados e indevidos ônus na assistência à saúde. Portanto, a sociedade há de estar atenta e vigilante, já que se pretende impor a ela mais esse insuportável ônus que trará consigo, ainda, verdadeira balbúrdia e desorganização do sistema, tudo com prejuízos incalculáveis para a qualidade da medicina e da saúde de nosso país. Posto isso, resta apenas uma indagação. A quem interessa a sublevação da organização médica existente?

* José Antônio de Lima é médico, presidente da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp).

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Humanizar o SUS é humanizar o Brasil Artigo

Por: Dário Frederico Pasche
texto publicado no jornal Correio Braziliense 15/9/2008

Enfermeiro, doutor em saúde coletiva, coordenador da Política Nacional de Humanização da Atenção e da Gestão do SUS (HumanizaSUS)

Em artigo publicado no Correio Braziliense na última quinta-feira, (“Humanizar o SUS ou humanizar o Brasil?”) o médico e professor da UnB Dioclécio Campos Jr. apresenta uma série de críticas ao atual estágio do Sistema Único de Saúde e, em especial, à Política Nacional de Humanização da Atenção e da Gestão do SUS (HumanizaSUS), às quais não podemos deixar de contra-argumentar.

Considerando a complexidade do tema, nos parece uma exigência política resgatar algumas reflexões elementares das quais o texto não se nutriu. Além disso, o profundo desconhecimento do que seja a Política Nacional de Humanização, uma recente conquista do SUS, aponta para a necessidade de fazer conhecer seus predicados ético-políticos e metodológicos.

Sejamos críticos, mas generosos. Essa tem sido uma recomendação de prudência aos que se dedicam à análise das políticas públicas no campo da proteção social. Críticos porque as realizações são sempre aquém daquilo que se almejava; generosos por reconhecer que se avançou, que se superou ao menos em parte a realidade que desafiava, que se confrontava com os patamares éticos estabelecidos pela sociedade brasileira no que tange àquilo que seja produzir saúde.

Mesmo os críticos mais contundentes têm apontado avanços nos SUS. Poderíamos citar muitos desses avanços, mas um em especial tem sido apontado como marca incontestável da reforma sanitária brasileira: a construção ético-política de que a saúde é um direito inalienável de cada um, esteio sem o qual qualquer luta pela eqüidade e inclusão a serviços e práticas integrais seria uma luta inglória.

Mas isso nos força a perguntar se o predicado discursivo, uma vez anunciado, toma de imediato força de realidade? Nem os mais levianos seriam capazes dessa afirmação. A dinâmica do jogo das políticas públicas, em uma sociedades de classes, nos remete de imediato à constatação de que a conquista e consolidação de um política pública como o SUS é uma constante e ininterrupta luta.

A Política Nacional de Humanização da Gestão e da Atenção do SUS, criada em 2003, reconhece os avanços e os desafios do Sistema Único de Saúde. Mas não parte da negatividade, senão o contrário: identifica nas próprias realizações de trabalhadores e gestores do SUS elementos para o enfrentamento e superação de dificuldades que ainda povoam o SUS. Assim, o HumanizaSUS é uma política de reencantamento do concreto, de valorização da capacidade de criar, de superar, de avançar mesmo considerando um leque de dificuldades e carências.

O HumanizaSUS não é uma política prescritiva. Assim como o SUS, sua enunciação não tem o poder de, imediatamente, mudar realidades. Se assim fosse, bastaria dizer: “Humanizemos” e, num passe de mágica, o mundo mudaria. A Política Nacional de Humanização tem, sim, a força de um imperativo ético: aponta para a necessidade de reposicionar a organização dos serviços, as ofertas de cuidado e os processos de trabalho sem desprezar aquilo que, na medicina moderna, tomou-se como secundário ou menor: as formas de relação entre os sujeitos.

As perguntas que nos desafiam estão ligadas ao “como fazer”. Como reposicionar sujeitos na relação do cuidado e da gestão do trabalho em saúde? Como superar relações tão hierarquizadas e autoritárias que quase impedem a comunicação entre as pessoas? Como construir contratos terapêuticos que se apresentem como construção de co-responsabilização pelo cuidado? Todas essas perguntas têm um único foco: as relações de poder que se estabelecem entre gestores, trabalhadores, usuários e sua rede social.

Assim, a Política Nacional de Humanização não é uma oferta piegas e inocente, senão uma aposta radical na capacidade da produção, no âmbito da saúde, de novas relações. Relações propiciadoras de novos marcos ético-políticos para a realização do encontro usuário-trabalhador e trabalhador-gestor, entre tantos outros encontros. Essa é a nossa aposta.

A Política Nacional de Humanização, grosso modo, se apresenta como uma oferta metodológica. Ela é um modo de fazer mudanças na saúde cuja premissa é a inclusão. Considera que as mudanças no processo de produção de saúde são tarefas para os homens e mulheres que estão em relação no cotidiano das práticas. Busca incluir o outro, incorporando a diferença e a perturbação que a inclusão dos sujeitos produz na gestão e nas formas do cuidado. Incluir para co-produzir novos modos de gerir e novos modos de cuidar. Incluir para produzir mais e melhor saúde.

Temos adotado como diretrizes o acolhimento, a ampliação da clínica, a gestão compartilhada, entre outros. Dessas diretrizes, parte uma série de dispositivos que permitem operar a humanização na realidade concreta. Muitos serviços de saúde Brasil afora têm adotado essa política como orientação para reconstruir práticas de gestão e de modos de cuidar. Os efeitos dessa opção têm permitido mudanças importantes no trabalho em saúde, recompondo a aliança ética de defesa da vida entre gestores, trabalhadores e usuários.

O SUS é uma política civilizatória, já nos apontava Sérgio Arouca. Conquista do SUS, a Política Nacional de Humanização, reconhecendo a força e a capacidade de criação dos sujeitos e a possibilidade de construir ações e projetos comuns, tem oferecido sua parcela de contribuição na construção coletiva de um país a cada dia mais civilizado.

(leia tb o artigo Humanizar o SUS ou Humanizar o Brasil no post abaixo)

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Eu acredito no SUS!!!!

Autor: Eduardo Santana - Vice-presidente da Federação Nacional dos Médicos (FENAM)
Como muitos milhares de brasileiros, sinto-me pai ou avô dos SUS e, concomitantemente, um dos responsáveis por ele. É, sem dúvida alguma, o maior instrumento de inclusão social que o mundo experimentou no século passado. Enquanto humanidade teremos que nos esforçar muito para superá-lo. Mas, não podemos nos negar a ver o que tem sido feito no país em nome do SUS, nos últimos tempos.Esse que nasce como um grande instrumento de inclusão social tem sido gerido como instrumento de exclusão quando dificulta o acesso do cidadão e da cidadã aos seus serviços, quando impede que profissionais qualificados possam exercer eticamente suas profissões e quando se transforma em instrumento de dor social, individual ou coletiva.
EU ACREDITO NO SUS!
Então, por que estamos aqui? Creio que muitos caminhos poderemos apontar para justificar aonde chegamos, mas, alguns deles, têm prioridades em nossas análises. Um deles, por exemplo, tem sido apregoado pelos responsáveis pela viabilização do sistema como o grande vilão da história. A falta de um modelo de gestão que seja ágil, que possa cumprir metas, que seja capaz de valorizar profissionais e que disponibilize assistência qualificada conforme a necessidade do cidadão. E, sendo isso verdade, a resposta para todos os males do SUS parece ser apenas uma: a milagrosa.
FUNDAÇÃO PÚBLICA DE DIREITO PRIVADO.EU ACREDITO NO SUS!
Assim, o problema todo é que não se pode demitir funcionários conforme o interesse dos gestores; o problema é que colocar o sistema sob a guarda de leis de licitação pública o enrijece; o problema é que ter que fazer concurso para ter acesso ao serviço público dá muito trabalho para o processo de contratação; o problema é que ter que respeitar a lei de responsabilidade fiscal impede que se faça o aporte dos recursos necessários...Logo, vamos à mudança de modelo de gestão, vamos à FUNDAÇÃO PÚBLICA DE DIREITO PRIVADO! EU ACREDITO NO SUS!
Trazer para dentro do setor público as regras do setor privado! Muito interessante, afinal os trabalhadores públicos tem muitos privilégios e precisam perdê-los. É preciso flexibilizar a gestão de pessoal para diminuir o peso do Estado. Aliás, para alguns, seria muito bom se o Estado deixasse de existir. Se ele não tivesse compromisso e nem responsabilidade para com ninguém. Se morássemos todos dentro de uma grande empresa.
EU ACREDITO NO SUS!
Onde esse sistema nos leva? O caminho é um só: o da privatização dos instrumentos e ações de saúde no país onde os avanços das regras de gestão se darão principalmente no que tange aos trabalhadores; no qual setores conservadores e “estatofobos”, onde a palavra saúde deveria ser grafada assim: $aúde!
EU ACREDITO NO SUS!
Não acredito no SUS por seu potencial, pelo que já é capaz de realizar ou já realizou, mesmo sabendo que isso já seria o bastante. Acredito nele por sua origem. O SUS não é um presente de governo ou de partido político algum, não é uma concessão de ninguém. É uma grande conquista de toda a sociedade brasileira. Cada cidadão, de alguma forma participou da sua conquista e o merece funcionando conforme suas reais necessidades deles.
EU ACREDITO NO SUS!
Sendo assim, não posso concordar que temos problema de modelo de gestão. E sabido que o Estado brasileiro tem regras de gestão extremamente atuais, capazes de proporcionar ações que qualifiquem a gestão pública de um país bem como propiciem a cada cidadão e cidadã serviços de ótima qualidade.Sendo isso verdade, quais os caminhos que trilhamos e nos levaram a esse momento de exclusão?
EU ACREDITO NO SUS!
Creio que trilhamos dois dos piores caminhos de um serviço público, a saber: a falta de uma POLÍTICA DE FINANCIAMENTO que seja capaz de atender as necessidades do sistema e a falta de uma POLÍTICA DE RECURSOS HUMANOS capaz de disponibilizar profissionais qualificados e motivados a população.
EU ACREDITO NO SUS!
Bem, creio que começamos agora a acertar no diagnóstico. Passamos a caminhar melhor os caminhos da terapêutica e buscar o fortalecimento desse importante instrumento social.
POLÍTICA DE FINANCIAMENTO
Quando o povo brasileiro conquistou o SUS ele deveria ter financiamento tríplice, de igual responsabilidade, sem nenhum nível de hierarquização quanto a esse quesito. União, Estados e Municípios brasileiros deveriam viabilizá-lo economicamente.Definiu-se, à época, que seu financiamento deveria ser o equivalente, no mínimo, a 30 % do financiamento da seguridade social. Se isso acontecesse, no ano de 2007 só a União deveria ter viabilizado cerca de R$100.000.000.000,00 para o SUS. Ela não conseguiu a metade disso. Todo o financiamento - União, Estados e Município – não foi superior a R$95.000.000.000,00.Assim, não tem sistema de saúde que dê certo.
EU ACREDITO NO SUS! POLÍTICA DE RECURSOS HUMANOS
Com o avanço do tempo e da necessidade de atenção pela população brasileira, consciente de seus direitos, cobrando em todos os canais possíveis sua atenção à saúde, serviços de saúde foram sendo criados e disponibilizados à população sem nenhum planejamento de disponibilização de profissionais para sua execução. O resultado foi a maior precarização de relações de trabalho que já se tomou conhecimento no serviço público no país. Podemos citar, sem medo de errar, que, por exemplo, nunca se precarizou tanto o trabalho médico. Ações como essa também passaram a excluir os trabalhadores do sistema, empurrando-os para fora para poderem melhor ser valorizados, apesar de buscar inúmeras formas de resistência para se manterem dentro do SUS. Manter em respeito à população que o conquistou.Falta de reconhecimentos profissionais, falta de PCCS - Planos de Cargos. Carreiras e Salários, falta de condições dignas de trabalho. Assim, quero aqui fazer a minha defesa do SUS. O SUS que nós, os brasileiros, conquistamos e escrevemos na Constituição Brasileira.
EU ACREDITO NO SUS!
O SUS do respeito aos trabalhadores e aos usuários, o da inclusão, o da assistência ética, o que nos propicia a atenção integral à saúde. O sistema que onde os que lá trabalham tenham presente e futuro e os que dele precisam tenham necessidades atendidasNosso problema não é modelo de gestão.É modelo de gestor!
EU ACREDITO NO SUS!

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Humanizar o SUS ou humanizar o Brasil?

Texto retirado do jornal "Correio Braziliense" do dia 04/09/08
Autor: Dr. Dioclécio Campos Júnior*


A melhor maneira de humanizar o SUS é fazer com que os gestores públicos utilizem somente os serviços que oferecem à população. Seria uma lição de coerência, conduta ética exemplar. Evitaria a ambivalência do discurso oficial e acabaria com a contradição ideológica das teses defendidas.

De fato, por questão de coerência, os dirigentes do SUS não deveriam recorrer a planos privados de saúde para si mesmos nem para os seus. Só assim estariam a demonstrar que acreditam na qualidade da assistência à saúde que propõem para os outros. Conheceriam de perto a realidade que lhes cumpre transformar. Não mofariam nos gabinetes sem vida de onde apenas ditam regras. Não se acomodariam ao metabolismo anacrônico de repartições públicas que transbordam teoria e carecem de prática. Estariam no dia-a-dia dos serviços dispensados a seres humanos cujas penúrias e frustrações desconhecem. Validariam, enfim, argumentos doutrinários, sempre vazios de vivência, distantes do real, repetidos com a monotonia que beira a exaustão. Não se fixariam na frieza de indicadores quantitativos por meio dos quais celebram avanços discutíveis.

Uma coisa é o SUS dos gestores, outra é a assistência prestada às pessoas. A primeira é produto de uma ideologia cheia de boas intenções, apanágio não apenas do céu, porque delas o inferno também vive cheio. Reúne princípios e crenças oriundos de catecismo sanitário, resguardado como fonte dogmática a moldar pensamentos e ações. Possui idioma próprio, uma coletânea de jargões declinados de cor e salteado por loquazes militantes. Expressões conceituais já surradas pelo uso, desgastadas pela inadequação à realidade, destoantes dos matizes evolutivos de uma sociedade em transformação. A segunda é resultado do constante desencontro entre cenários, paradigmas, regulações, tantas outras normas técnicas, e as necessidades verdadeiramente sentidas pela população.

A rede de unidades públicas de saúde mais parece uma franquia da incompetência institucional. Quem nelas trabalha ou delas se serve está nivelado no mais profundo desencanto. A falta de recursos mínimos para o exercício profissional seguro tem a mesma dimensão do sofrimento dos cidadãos diante das dificuldades de acesso à assistência qualificada que lhes resolva os problemas de saúde. O sanitarismo reducionista impregnou as instâncias do poder. É desumano. Discrimina. Ignora a realidade. Simplifica a aparência do continente para ocultar a fragilidade do conteúdo. Recusa-se a discutir o modelo desagregador da saúde pública, cuja eficiência já não convence mais ninguém. Teóricos ensimesmados tomaram conta do SUS. Rejeitam qualquer perspectiva de modernização.

Sucedem-se as estratégias, mudam os governos, renovam-se os quadros, mas os equívocos continuam. Os usuários reclamam, as tragédias assistenciais repetem-se, as epidemias arrasam, os doentes morrem nas filas, faltam profissionais, os hospitais públicos entram em colapso. As justificativas oficiais não saem do escapismo. Ora é o povo que abusa da assistência, a indústria de equipamentos que transgride normas, ora a gestão que deixa a desejar. O modelo segue, porém, intocável, flutuando soberano e vazio nas vagas revoltas do caos.

A bola da vez é a humanização. O SUS deixou de ser obra humana e os usuários são assistidos por animais de outra espécie. Há que humanizá-los. É a onda mistificadora do momento. Um engodo para disfarçar as precariedades da saúde pública. Um biombo destinado a impedir que se veja a fotografia do descaso, nas cores reais da irresponsabilidade gerencial.

A preconizada humanização do atendimento à saúde do povo pobre é um misto de ingenuidade e faz-de-conta. Ignora o pensamento lógico de Paulo Freire, segundo o qual não se modifica o todo pela mudança de algumas de suas partes. Ou se muda o todo ou não se muda nada. Ora, o SUS é parte de um todo chamado Brasil. Não passa de ingenuidade acreditar que a sociedade brasileira seja menos desumana que o SUS. Ou, ainda, que a humanização da assistência à saúde humanizará o país. Se toda a população residisse em moradias adequadas, trabalhasse em atividades dignificantes, recebesse salários de gente e não de indigente, tivesse acesso à educação humanista, contasse com uma justiça eficaz, desfrutasse de espaços urbanos fraternos e igualitários, o SUS teria as mesmas virtudes humanas da sociedade. Logo, o que urge humanizar não é o atendimento à saúde, mas a condição de vida dos atendidos. Uma questão de escolha: humanizar o SUS ou humanizar o Brasil?

*Presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, Doutor em Pediatria e professor titular da Universidade de Brasília

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Trabalho Médico: a carteira assinada, direitos trabalhistas e a ilusão do ganho fácil

Texto retirado do blog "Fax Sindical" do Sindicato dos Médicos de Juiz de Fora - MG

O vínculo trabalhista previsto na legislação brasileira, e na maioria dos países civilizados, parece ser um luxo para os médicos brasileiros que atuam em instituições privadas e filantrópicas. Instituições prestadoras de serviços de saúde, que têm como atividade-fim a prestação de assistência médica, fogem dos direitos trabalhistas dos médicos usando diferentes artifícios.

Matéria publicada na revista “Luta Médica”, do Sindicato dos Médicos da Bahia, Ano II, nº. 7, de abril de 2008, apresenta questionamento, se vale a pena ser pessoa jurídica.

O vínculo trabalhista definido em Lei (CLT) assegura direito a férias remuneradas, décimo-terceiro salário, auxílio em caso de doença, aposentadoria por tempo de serviço. A opção por pessoa jurídica afasta esses direitos, mas pode prometer pagar impostos, fazer a contabilidade e planejar reservas. Na realidade, o que se nota é que ao não assumir os direitos trabalhistas dos médicos, o empregador pretende livrar-se de despesas derivadas do vínculo empregatício. Esse ponto de vista é reforçado nesses tempos, quando a idéias sobre a desregulamentação do trabalho e banalização das relações de trabalho. Frequentemente o médico é colocado na situação de ser forçado a prestar serviços como autônomo, cooperado ou na condição de empresa. Em geral não lhe assiste a opção de ser contratado conforme a lei. Se não há um consenso entre médicos sobre qual o melhor vínculo, o mesmo não acontece com as instituições de saúde. Todas têm fobia dos direitos trabalhistas dos médicos.

Mas o que as instituições empregadoras fingem não saber é o fato de que podem estar gerando um passivo trabalhista que pode, a qualquer momento, ser reivindicado. O Dr. Jairo Sento-Sé, Procurador do Trabalho, respondendo a consulta no jornal “A Tarde”, de Salvador (24/02/2008), de um médico plantonista sem vínculo trabalhista, esclareceu que determina que “…o liame laboral realmente possui natureza jurídica trabalhista, têm que estar presentes os quatro elementos previstos no Artigo 3º, caput, da CLT, que são a subordinação, a permanência, a onerosidade e a pessoalidade.” “Em outras palavras, é indispensável que (o médico) possa comprovar que ele próprio trabalhava de maneira constante e permanente para a entidade de saúde (seja ela um hospital, uma clínica, etc.), sujeitando-se às suas ordens e ao poder de comando empresarial, em troca de uma determinada remuneração.”

No caso de um plantonista, não resta dúvida de que a pessoalidade, a permanência e a onerosidade são irrefutáveis. Mesmo contratado como prestador de serviço através de pessoa jurídica, o médico permanece submetido ao poder diretivo e ao controle do patrão.

Na mesma revista “Luta Médica”, existe um estudo contábil interessante, comparando três situações (empregado, pessoa jurídica e autônomo) para três níveis salariais diferentes.


Para um ganho de 2 mil reais, o empregado teria descontos totais de R$281,07, percebendo líquidos 1.718,93. Com a mesma renda o autônomo receberia R$1.678,53 e o contratado por pessoa jurídica receberia 1.513,40. Lembramos que, nos dois últimos casos, o profissional ainda teria que reservar recursos para férias, despesas de final de ano e pagar um seguro ou acumular recursos de outra forma para lhe garantir socorro em caso de invalidez temporária ou definitiva.


Para um ganho igual de R$5.000, feitos os descontos de impostos, taxas e contribuições, o empregado receberia 3.931,48 reais. O autônomo R$3.891,08 e o de pessoa jurídica 3.999,21. Para uma renda mensal de R$10.000,00 o empregado recebe 7.556,48 reais. O autônomo R$7.516,08 e o de pessoa jurídica R$8.332,71. Em todos os casos, o autônomo percebe menos que o empregado. A pessoa jurídica recebe discretamente mais, nos casos de rendimentos entre cinco e dez mil reais.


OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: Convém lembrar que, para os médicos empregados dentro da legislação trabalhista vigente, em regime celetista (”carteira assinada”) ainda há a vantagem do acréscimo anual de 1/12 dos rendimentos, mediante o pagamento do décimo-terceiro salário. O que, mesmo do ponto de vista financeira, torna o vínculo empregatício regular o mais atrativo para o empregado.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Hospitais, vida ou morte!

Por José Márcio Soares Leite, colaborador e acadêmico de medicina
Artigo publicado no jornal O Estado do Maranhão de 06/07/2008
O Banco Mundial e o Instituto Brasileiro para o Estudo e o Desenvolvimento do Setor de Saúde lançaram durante a Hospitalar 2008, o livro "Desempenho Hospitalar no Brasil: Em Busca da Excelência", de autoria de Gerard La Forgia, especialista em Saúde do Banco Mundial, e Bernard Couttolenc, da Interhealth Soluções em Saúde e da Universidade de São Paulo.

Para os autores, a rede hospitalar no Brasil é ineficiente, gasta mal os recursos, encarecendo os custos hospitalares. O professor Couttolec, afirma : “Está claro que, para o Sistema Único de Saúde-SUS cumprir o seu papel constitucional, ele precisa de mais dinheiro. Todos os recursos adicionais são bem-vindos, mas não adianta apenas ter recursos a mais. É preciso alocar melhor. Gastar bem o dinheiro. É preciso haver uma intervenção para melhora de qualidade”.
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Para que possa ser melhor entendida essa questão, diga-se que dos 7.426 hospitais brasileiros, apenas 56 detêm selo de qualidade. Na região Nordeste apenas três o possuem e na região Norte, não há um único hospital com certificação de qualidade.
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O livro mostra que, numa classificação de 0 a 1, sendo 1 o nível de eficiência mais alto encontrado, a média encontrada no Brasil, foi de 0,34%. Que os hospitais são muito caros e ineficientes em escala e produtividade. Que poderiam fazer muito mais com os recursos de que dispõem, citando como exemplo, a taxa média de ocupação de leitos custeados pelo SUS de 37%, com exceção obviamente dos hospitais que atendem urgência/emergência, que estão sempre superlotados.
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Os autores finalmente concluem que: “À medida que os custos na saúde subiram, cresceu a necessidade de maximizar a eficiência e o impacto obtido com os recursos disponíveis”, pois enquanto poucos hospitais constituem centros de excelência nacional, a maioria depende de financiamento público e ostenta padrões deficientes de qualidade”. Os hospitais que obtiveram melhor desempenho têm mais de 250 leitos, o que é preocupante, pois no Brasil somente 7% dos hospitais têm mais de 200 leitos. Essa afirmação dos autores de Desempenho Hospitalar no Brasil, vale tanto para os hospitais públicos quanto para os privados.

O modelo de atenção à saúde implantado no Brasil desde o Império, sempre foi assistencialista, curativista, voltado para o hospital ou hospitalocêntrico. Os hospitais são, portanto, o “centro nervoso” do sistema de saúde, respondendo por dois terços dos gastos do setor. Segundo a pesquisa publicada nesse livro, dos R$ 196 bilhões gastos com saúde em 2006, 67% foram destinados aos hospitais. A média recomendada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico-OCDE é de 55%. Desse total, cerca de 30%, ou 10 bilhões, foram gastos em internações que não requeriam cuidados hospitalares.
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Nesse contexto, o livro tem três objetivos: contribuir para os esforços governamentais de desenvolvimento de uma estratégia de reforma do modelo hospitalar a médio prazo; identificar opções para aprimorar o desempenho de hospitais que atendam à população carente; e ajudar a construir consenso sobre a reforma hospitalar entre formuladores de políticas e principais gestores da saúde.
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O livro Desempenho Hospitalar no Brasil foi lançado em um momento oportuno, ou seja, em que estamos vivendo a mais grave crise de subfinanciamento do setor. E concordo com os autores, pois não basta aumentar pura e simplesmente os recursos da saúde, sendo necessário um aprimoramento da gestão e uma mudança no modelo de atenção à saúde vigente.
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As Leis Orgânicas da Saúde e as Normas Regulamentadoras do Ministério da Saúde, desde a década de 90 do século passado, preconizam um modelo de atenção à saúde integral, regionalizado, organizado por níveis de atenção primária, secundária e terciária, reservando, portanto, aos hospitais os atendimentos das patologias de maior complexidade e que exigem internação ou serviços de apoio diagnóstico de alta tecnologia. Na prática, contudo, continuou vigendo o antigo modelo hospitalocêntrico e para revertê-lo, na minha modesta concepção, só uma grande determinação política, por meio de um pacto técnico-político com a sociedade civil organizada.
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Caminhar em sentido contrário, creiam, não é lutar a favor da vida, mas da morte.

José Márcio Soares Leite, Acadêmico Médico. Professor MSc. Membro da AMM, do IHGM, da APLAC, da SBHM e da AMC.

terça-feira, 8 de julho de 2008

SUS - Transferir responsabilidade não é solução

(Matéria publicada na Folha de São Paulo, em 28 de junho de 2008)

O Sistema Único de Saúde (SUS) foi pensado e construído por profissionais e movimentos populares da saúde para funcionar em rede, descentralizado, com atendimento desde um curativo a cirurgias de alto custo, da prevenção e controle de endemias ao acompanhamento porta a porta, em especial nas regiões de difícil acesso.

Mesmo sendo referência internacional, o SUS tem sofrido muitos ataques, principalmente daqueles que vêem na saúde pública mais um nicho de negócio lucrativo. É o caso do estado de São Paulo que há mais de 10 anos vem transferindo a gestão da saúde pública para entidades privadas, inclusive sem licitação, cadastradas como Organizações Sociais da Saúde (OSS), em prejuízo dos usuários que continuam em filas de espera para atendimento, conseqüência do sucateamento do setor público e das restrições do setor privado.

A principal justificativa dos que defendem a terceirização é a agilidade na compra de material e contratação de pessoal, burlando o que chamam de burocracia. Não entrando no mérito da questão, a legislação existe para coibir o mau uso do dinheiro público. Pode e deve ser aperfeiçoada.

Também se alega que com a terceirização o custo diminui. Será?

Os custos das OSS vêm crescendo ano a ano, mostrando que o problema não é o setor público mas da gestão. Os hospitais e serviços gerenciados por OSS decidem de forma independente o tipo e o número de atendimento prestado, ficando a população à mercê da oferta de vagas que essas entidades disponibilizam.

Em relatório da Comissão de Acompanhamento das Organizações Sociais em São Paulo de 2003 já se apontava a redução nos atendimentos de urgência e a lógica da gestão privada – a manutenção do equilíbrio financeiro. Desde 2005 jornais destacam a disparidade nos preços de um mesmo medicamento comprado pelas diversas OSS, chegando a variar em até 64%.

Em 2007, virou manchete a crise do INCOR. A Fundação Zerbini, entidade privada que administra o hospital, acumulou uma dívida de R$ 246 milhões, colocando em risco uma referência em cardiologia, construído e mantido com dinheiro público. Como solução, o governador José Serra restringiu a atuação da Fundação e assumiu a dívida, ou seja, dinheiro público financiando a má gestão privada.

Hoje, a terceirização vem sendo questionada também na justiça.

A terceirização do Hospital Luzia de Pinho Melo, de Mogi das Cruzes, é um exemplo. O Ministério Público do Trabalho ingressou com uma ação civil pública para anular o processo. Entre as argumentações estão violação da Constituição, que determina que nenhum servidor pode ser contratado sem concurso público; a quarteirização de serviços para uma entidade privada ligada à OSS gestora; irregularidades no pagamento de direitos trabalhistas.

Também está sob investigação o repasse de serviços laboratoriais de unidades da rede pública estadual de saúde para a iniciativa privada. A gestão dos serviços está sendo transferida para OSS que por sua vez quarteiriza os exames laboratoriais para empresas privadas.

Um dos tripés do Sistema Único de Saúde – o controle social – não é respeitado no estado. O Conselho Nacional de Saúde se posicionou contra as OSS e a terceirização da saúde. Essa deliberação também foi tomada pelo Conselho Estadual de Saúde. A participação e a fiscalização da sociedade na administração pública garantem a boa gestão. Mas precisa haver transparência no uso desse dinheiro. Isso não acontece na gestão das OSS.

Podemos alcançar uma saúde pública com qualidade. O SUS e suas várias instâncias deliberativas estudam, debatem e definem as diretrizes para serem implementadas nos âmbitos federal, estadual e municipal.

Hoje o SUS funciona ao custo de R$ 1,00 por pessoa e atende muita gente. Se investirmos mais, com certeza, chegaremos a uma saúde pública universal, integral e equânime para todos, promovendo o desenvolvimento sustentável do país que todos almejam. Não é necessário desmontar a rede de saúde pública, nem assistir epidemias e perdas de vida.

Dos hospitais que prestam serviços ao SUS em São Paulo 68% são privados. Portanto, se a gestão privada funcionasse melhor o atendimento hospitalar não teria os problemas que tem hoje. Tratar a saúde como negócio é ideológico e as vidas perdidas é falência na certa.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

A ética escrita como despersonalização do tratamento médico

(A Moral vestida de Ética torna-se mais aceitável)

Por Manoel Guedes, colaborador e acadêmico de medicina

“... escutar colocando o ouvido no peito...”.
Hipócrates “de Moris” (400 a.C.).


"Há quatro meses a senhora CAB, de 46 anos, descobriu que precisava retirar um caroço do pescoço. Foi à policlínica, fez exames, cumpriu a burocracia. Ela foi internada nesse domingo (25). A cirurgia estava marcada na manhã de segunda-feira. Depois que ela recebeu a anestesia geral, o médico chegou para realizar a cirurgia. E descobriu que não havia luva. A cirurgia foi suspensa. O marido perdeu um dia de trabalho. E o efeito da anestesia passou cinco horas depois." (repórter local)
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É fato concreto que o código de ética, em certos pontos, não diz respeito à ética, e sim à moral, ao conjunto de normas impostas pela sociedade médica como um meio de coibir desvios de padrão que possam levar ao prejuízo do paciente. E isto é, na teoria, louvável. Contudo, se percebe na prática que algumas vezes se faz necessária certa personalização do ato médico, posto ser cada paciente diferente e repleto de peculiaridades que não o permite ser tratado na coletividade sem notável viés. E é esta personalização, onde tanto as ações médicas quanto éticas são postas em teste, o que realmente importa ao paciente.

O problema então reside em duas questões principais: (1) o código de ética não foi criado para sobreviver em situação de caos, e forçá-lo a isto é simplesmente inviável; e (2) a notável despersonalização do tratamento médico, que é, também, inaceitável.

É sabido que muitos médicos recém-formados trabalharão em hospitais que não disponibilizam nem o mínimo necessário a um atendimento digno, como luvas ou anestésicos, e se encontrarão num dilema ético (ou moral) em relação ao tratamento. Tratar ou não tratar? Pode parecer meio improvável ou mesmo fantasiosa a situação, mas em países africanos ou até em pequenas cidades do interior do Brasil há casos muito mais graves. Em horas como esta, onde nossa ética intrínseca nos diz o que deve ser feito, mas somos restritos pelo que é escrito, creio, deve-se pesar o bem e os malefícios possíveis e então, em caso favorável, iniciar o tratamento.

Sob este aspecto a "ética escrita" como um código do moral pode prejudicar o atendimento, visto que muitas vezes uma moralidade demasiada restringe o tratamento ao que é comum e, pois, “aceitável”, ao ponto tal de algumas vezes causar prejuízo ao paciente. É indubitável que certos desvios de padrão levam ao aprimoramento e evolução da medicina.

Convém ressaltar, porém, que em detrimento de em alguns casos causarem prejuízo, em outros este conjunto de normas salva vidas. O que afirmo é que, às vezes, não segui-lo à risca também às salva. Ou seja, não devemos fazer fogueira do Livro de Ética, mas este deve ser mais aberto à individualidade, pois nem todo médico, paciente e situação são iguais.

O fato é que nós, como médicos, devemos sempre nos preocupar com o bem de quem cuidamos de maneira individual e ética, não apenas moral. Um conjunto entre os três seria o correto, porém percebo, infelizmente, que esta tente a sobrepujar as outras duas, as mais importantes ao meu parecer. E isto é lamentável... É lamentável também saber que se faz necessário um código que lhe diga "eticamente" o que é correto ou "aceitável" e que, ao fazê-lo, nos evidencia o ponto crítico onde estamos, em que a secura de ética individual é extrema ou esta é limitada, amordaçada até, pela ética coletiva, escrita e fundida com a moral, tantas vezes limitante de novas idéias.

Manoel Guedes de Almeida,Acadêmico de Medicina, Faculdade de Ciências Médicas de Santos, Santos-SP.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Misericórdia, Santa Casa !

Por José Márcio Soares Leite, colaborador e médico
Publicado no jornal O Estado do Maranhão, dia 18 de maio de 2008

A ordem das Santas Casas de Misericórdia foi instituída em Portugal, durante o reinado de D.Manuel, pela Rainha Leonor de Lancastre, no ano de 1498, seguindo orientação do seu confessor Frei Contreras.Tinha como missão: tratar os enfermos, patrocinar os presos, socorrer os necessitados e amparar os órfãos.

No Brasil, a primeira Santa Casa foi fundada por Bráz Cubas, no ano de 1543, na Capitania de São Vicente (Vila de Santos), secundada pela de Vitória-ES 1545, pela da Bahia em 1549 e a do Rio de Janeiro em 1582.

O Hospital da Santa Casa de Misericórdia do Maranhão foi instalado em 1653, por iniciativa da Irmandade da Misericórdia, dos jesuítas, tendo à frente o padre Antonio Vieira (Meireles.M.M.Dez Estudos Históricos,1994). Funcionava em imóvel alugado, pois foram em vão os esforços para a sua construção, como no-lo informa João Lisboa : “embora a obra não fosse adiante, conseguiu sempre que se dispusesse uma casa particular para receber os enfermos” (Vida do Padre Antonio Vieira.Obras de João Francisco Lisboa, p.209). Sua sede própria e definitiva, na Rua do Norte em São Luís, só foi inaugurada no dia 19 de março de 1814, 161 anos após a benemérita iniciativa do padre Vieira, com a denominação de Hospital de São José da Santa Casa de Misericórdia.

Durante todos esses anos as Santa Casas prestaram imensuráveis serviços ao Brasil, não somente de atenção à saúde, mas também de ensino nessa área.

A Santa Casa de Misericórdia do Maranhão também adotou sempre o binômio ensino/serviço, pois, em 1826, nela passaria a funcionar uma Aula de Anatomia e Cirurgia, teórica e prática, a cargo do cirurgião-mór José Maria Barreto, e, nas primeiras décadas do século XX, o médico e cirurgião francês Dr. Afonso Saulnier de Pierrelevée iniciou nesse hospital uma escola de grandes cirurgiões, em que pontificariam, depois dele, o Dr.Artur José da Silva e o Dr. Tarquínio Lopes Filho (O Bisturí de Ouro), que teve como seu assistente o Dr. Carlos dos Reis Gomes Macieira. Com a criação da Faculdade de Ciências Médicas do Maranhão em 1957, foi um dos Hospitais-Escola dessa Faculdade, até a criação do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão em 1991.

Até a primeira metade do século XX, o Hospital da Santa Casa de Misericórdia do Maranhão recebia ajuda do Estado, assim como doações de particulares. A partir do final da década de 50, todavia, e, coincidindo com sua autonomização, o Estado deixou de indicar seu Provedor, e, conseqüentemente desonerou-se da obrigação de ajudar no seu custeio. A Santa Casa teve assim, que passar a gerar sua própria receita de manutenção. Esse desafio foi enfrentado, às duras penas, durante quase meio século, em que teve como provedor o médico José Duailibe Murad, e, a participação de um grupo de ilustres profissionais de saúde e de abnegadas religiosas.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a criação do Sistema Único de Saúde-SUS, os hospitais públicos, os filantrópicos, e os privados credenciados, passaram a ser mantidos por esse novo sistema, mediante produção de serviços, porém a tabela de preços paga pelo SUS é extremamente defasada em relação ao custo real dos procedimentos realizados, excetuando-se os de alta complexidade.

Em decorrência dessa nova política, os hospitais próprios da rede pública de serviços de saúde mantêm-se porque os governos arcam com 100% do seu custo de pessoal e nos universitários com cerca de 60% dessa despesa. Já os privados credenciados, abandonaram o SUS e migraram para os planos de saúde, restando o ônus maior para as Santas Casas, que, com seus escassos recursos, ainda custeiam 100% de seus profissionais, levando-as a uma difícil situação financeira.

Nesse contexto, é oportuno ressaltar que a Santa Casa de São Luís com seu ambulatório, suas uti’s, centro cirúrgico, seus setecentos leitos, desde que adequadamente financiada, seria capaz de suportar 50% das internações de média complexidade da capital, eliminando o congestionamento da demanda hoje existente nos “Socorrões” e contribuindo para uma atenção à saúde mais humanizada.

Voltando à história e parafraseando o médico César Augusto Marques, que no seu Dicionário Histórico e Geográfico da Província do Maranhão, escreveu um verbete_ “Misericórdia, Santa Casa”, fazemos um apelo aos gestores da saúde, para que não deixem o trabalho do padre Antonio Vieira fenecer, pois, infelizmente, ele já não está entre nós, para proferir um dos seus Sermões dominicais, em defesa dos desvalidos, que, uma vez enfermos, tanto precisam dos cuidados das Santas Casas.

* Médico, Profº MSc em Ciências da Saúde e membro do IHGM, da AMM da APLAC e da Sociedade Brasileira de História da Medicina.


segunda-feira, 12 de maio de 2008

Quanto vale o médico?

Por: Adolfo Paraiso, colaborador e médico

Em meio à crise do sistema público de saúde pouco se tem dito de bom sobre o profissional que dá tudo de si para curar os pacientes, ou pelo menos minorar seu sofrimento: o médico.

É necessário também que saibamos que a responsabilidade médica não se limita a prescrever medicamentos. O desafio é bem maior, pois envolve muitos aspectos não somente biológicos, mas psicossociais, dentro de uma concepção de integralidade da atenção à saúde.

Hodiernamente, contudo, um novo fator veio agregar-se aos dois já referidos, no que tange ao atendimento dos pacientes, ou seja, a incapacidade do Sistema de Saúde de propiciar ao médico a infra-estrutura física e os insumos e equipamentos indispensáveis à prestação de um atendimento médico, segundo os protocolos clínico-cirúrgicos estabelecidos para esse atendimento. Isto obriga o médico a ir de encontro a tudo o que preceitua o Código de Ética Médica.

Como somatório de todo esse grave quadro médico-sanitário, mormente o do atendimento das urgências e emergências, soma-se o estado letárgico dos administradores da saúde, que a tudo assistem passivamente.

Reorientar a gestão do Sistema de Saúde, definir responsabilidades e a participação efetiva das entidades representativas da classe médica nos Conselhos Municipais e Estaduais de Saúde é da maior importância para definição do orçamento da saúde e a implementação de um Plano de Cargos Carreira e Salários. Essas questões alicerçam a garantia constitucional do direito à saúde.

Vivencia-se uma situação crítica na saúde e queremos que os governos deixem de se omitir e assumam a responsabilidade de oferecer a mínima infra-estrutura necessária para um adequado atendimento médico-hospitalar.

Os médicos, assim como os pacientes, são vítimas da precariedade dos hospitais públicos. O médico está doente. Contaminou-se pelo estresse, pelos baixos salários, pelas poucas condições de trabalho e, também, por ter que escolher a quem salvar.

Hoje, os serviços de Pronto Socorro das capitais dos estados e dos grandes centros urbanos, passaram a se constituir na única porta de entrada para o atendimento médico, em razão da falência da atenção básica. Tal distorção concentra a atenção médica e agrava a escassez de recursos pelo excesso de demanda.

Com a municipalização da saúde os recursos do Sistema Único de Saúde - SUS foram descentralizados para os municípios pelo critério percapita, pulverizando-os, pois os municípios alegam que esses recursos são insuficientes para prestarem um bom atendimento médico, além de não possuírem médicos especialistas e tecnologia.

Sabe-se que 40% das pessoas nas filas de emergência não precisariam estar lá. É preciso investir na rede básica e dar atenção à assistência social, pois, cerca de 20% dos pacientes atendidos nas emergências médicas não precisam de terapia medicamentosa, mas sim, de cuidados básicos e uma palavra de carinho.

Não falta médico nem dinheiro, mas sim gestão. Temos é que tirar as doenças crônicas das emergências e atender ao paciente com trauma que é a principal causa de morte no país entre a população até os 40 anos de idade.

No Brasil, a emergência ainda é muito desvalorizada. As vítimas não raramente chegam às mãos de profissionais recém-formados e em prontos-socorros mal equipados, quando tudo o que elas mais precisariam para aumentar suas chances de sobreviver e reduzir as seqüelas seria uma equipe experiente, com todos os recursos necessários.

Queremos a valorização do médico e do serviço público, mas também a valorização do médico no serviço público. O remédio contra essa indiferença, irresponsabilidade e omissão do gestor público é o nosso grito de alerta em defesa da vida.

Quanto vale o médico?