segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

2009: mais do mesmo. E 2010?

Por: Waldir Cardoso, médico e secretário de Comunicação da Federação Nacional dos Médicos (FENAM)

Fim de ano. Inevitável a idéia de realizar um balanço. Das empresas às pessoas, todos são tentados a fazer isso. Caí em tentação. Para mim, 2009 foi mais do mesmo. Pelo menos para a saúde.

Ora, estávamos com problemas de financiamento. Fechamos o ano com déficit e o orçamento de 2010 traz péssimas perspectivas. A Emenda Constitucional 29 não foi regulamentada, ou seja, os governos vão continuar elaborando prestações de contas embutindo gastos que não são com ações de saúde. Os governos, em 2009, mantiveram, via de regra, a postura de desviar recursos da saúde (olha o DEMsalão do Arruda). Não discutimos, seriamente, como e onde melhor gastar os parcos recursos da saúde. A alta complexidade continua a levar a maior fatia do bolo.

Em 2009 não conseguimos fazer com que a atenção básica (ou primária) seja priorizada. Parte porque a descentralização nos joga na mão de milhares de prefeitos e secretários municipais despreparados para o exercício da função pública. Parte porque a política de financiamento privilegia a alta complexidade. O Ministério da Saúde precisa mostrar serviço e se “dana” a financiar SAMUs e Unidades de Pronto Atendimento (UPAs). A descentralização da atenção à saúde começa a ser questionada.

A política de recursos humanos pouco avançou. Os trabalhadores de saúde continuam, em geral, sem carreira, sem remuneração digna e sem perspectiva de futuro. Os médicos, lentamente, vão abandonando o Sistema Único de Saúde. Temos dezenas de municípios sem a presença de um médico sequer; centenas com um só, e de forma não sustentável. Continuam a levar calote de prefeitos. Não conseguimos discutir com o Ministério da Saúde o Plano Modelo de Carreira Médica, elaborado sob a supervisão da Fundação Getúlio Vargas.

Fechamos o ano descobrindo que a saúde é a política pior avaliada no governo Lula. Que estava ruim, nós sabíamos; a surpresa é a população elegê-la como a pior. Deixou a segurança (ou insegurança) para trás. Mais uma prova de que quem entende de políticas públicas é o povo. Por isso, deve sempre ser ouvido e definir as prioridades.

Bem, 2010 é um ano eleitoral. Mais uma rodada de exercício da cidadania. Vamos às urnas! Isso só não basta. Temos de elaborar propostas e pressionar os candidatos, cobrar deles posturas de compromisso com atenção à saúde de qualidade, exigir mais gestão e menos privatização disfarçada, mais ação e menos reunião, mais probidade, mais espírito republicano, mais cidadania.

Faço juras de continuar na trincheira da luta. Que venha mais um ano! E mais outro e mais outro! Não esmorecer. Dialeticamente falando, viver é um diuturno lutar por uma sociedade mais justa, mais humana e mais fraterna, mais igualitária, com oportunidades para todos. Não estamos sós. Vamos celebrar este momento de balanço! Juntos, apesar de separados fisicamente, e desconhecidos, pessoalmente. Taças erguidas! Somos muitos, somos fortes, vamos vencer!

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Jaleco municipal

*Artigo do presidente do SIMERS e da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), Paulo de Argollo Mendes, publicado em 15/12/2009, na área de opinião do jornal Zero Hora.

Os responsáveis pelo sofrimento dos enfermos são, mais do que micro-organismos ou distúrbios celulares, as decisões macroeconômicas. Em especial, a insuficiente destinação de recursos. E a solução passa, necessariamente, pela inversão de prioridades. É uma falácia pretender que tenhamos uma saúde pobre porque somos um país pobre. Somos a 10ª economia do planeta. Recursos existem, e muito. O que falta é colocá-los onde deveriam estar, não em empréstimos para o FMI, cuecas, meias, submarinos nucleares ou caças supersônicos. Nada disso deve impedir que se salvem vidas e se mitigue o sofrimento.

Cientes disso, os médicos ultrapassaram as paredes do consultório e promoveram movimentos públicos contra a morte evitável. E, nesse esforço, foram convidadas autoridades e parlamentares a vestir jalecos, como sinal de sua adesão à luta. Presenciamos agora mais um desses movimentos, desta vez tendo a efetiva participação de prefeitos e secretários municipais de saúde. O que é da maior importância, porque precisamos de toda ajuda que se possa encontrar.

Lamentavelmente, o governo federal insiste em atrelar sua participação no custeio da assistência médica à aprovação de um novo imposto. Já tivemos a CPMF, e seu desvio vergonhoso. Não precisamos onerar ainda mais o cidadão, precisamos estabelecer prioridades. Este é um país grande demais para que a gestão da assistência à saúde seja federal, e os municípios são pobres demais para que seja municipal.

Os equívocos da municipalização retalharam o sistema “único” de saúde, criando aberrações de toda ordem. O debate sobre o papel dos Estados, esquecidos em tudo isso, precisa ser corajosa e urgentemente enfrentado. Os recursos que os prefeitos pleiteiam para a saúde são indispensáveis. Precisamos, pois, abandonar a presunção messiânica que presidiu a reforma sanitária da década de 80, que desprezou a opinião dos técnicos e os fatos concretos, criando um modelo teórico e ideológico, no qual continuam tentando enfiar a realidade.

A saúde necessita de toda ajuda que puder conquistar e de todos os parceiros que se possa reunir, mas com clareza de papéis e sem assuntos proibidos. E a proximidade das eleições ajuda a lembrar que os eleitores existem e têm, nesta área, muitas demandas.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Emergências médicas, um verdadeiro "pé diabético"

Fonte : Adolfo Paraíso, membro do Conselho Fiscal da FENAM e presidente do Sindicato dos Médicos do Maranhão

Quem trabalha em serviços de urgência e emergência deve se deparar com um número significativo de pacientes diabéticos e hipertensos, que ocupam os leitos, as macas, as cadeiras e o chão dos hospitais. Nenhuma novidade nisso, assim como a causa que se traduz na falha da atenção primária dos programas do hipertenso e diabético, reforçada pela ausência de unidades de saúde com o perfil adequado para dar continuidade a esse tipo de tratamento.

O problema é que, uma vez internado no local errado (pronto-socorro) e sendo tratado pelo profissional errado, o "pé diabético" não melhora e a consequência é o aumento do tempo de internação, elevação dos custos e, o pior, na maioria das vezes o desfecho é a amputação do membro por não se conseguir encaminhar o paciente para a revascularização, quando ele não chega a óbito.

Assim são as nossas emergências médicas: um verdadeiro "pé diabético". Não adianta aumentar o número de leitos ou macas, fazer triagem e implantar fluxograma de atendimentos. O problema é sistêmico e deve ser encarado dessa forma. A emergência médica é apenas a primeira unidade a entrar em pane.

Ou conscientizamos o gestor a adotar medidas pré e pós-hospitalares, no sentido de equalizar o problema, ou cada vez mais vidas que ficam sem acesso ao sistema terão de ser "amputadas" e, com isso, iremos conviver com a culpa de produzir sequelados em série.

A medida mais importante para reverter esse quadro caótico passa pela fixação do médico no local de trabalho. Mas para que isso aconteça, é preciso corrigir a miopia administrativa dos gestores, que insistem em não enxergar o Plano de Carreira, Cargos e Vencimentos - PCCV - da FENAM.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O Salário Mínimo Profissional dos médicos e as duas aposentadorias para dois cargos públicos

Por: Mario Antonio Ferrari

A Proposta de estender aos médicos e cirurgiões-dentistas aposentados os “benefícios” do projeto de lei do “Piso” que corrige o valor do salário mínimo desses profissionais pode ser justa, mas seguramente, não é perfeita.

Dificulta e pode até inviabilizar a aprovação da proposta, porque se desvia do objetivo inicial, ou seja, o de esclarecer e melhorar a remuneração dos médicos contratados pela iniciativa privada.

A inclusão dos aposentados é mais um obstáculo ao lado do já criado com a ampliação da jornada introduzida no projeto de lei.

Enquanto os demais trabalhadores lutam pela redução da jornada de trabalho, observamos quem defenda o aumento da duração mínima do trabalho dos médicos, legalmente já estabelecida.

A Lei 3.999 de 1961, em vigor desde a época do parlamentarismo, especifica que a duração mínima do trabalho dos médicos e cirurgiões dentistas é de duas horas e que a máxima é de quatro horas.

Essa flexibilidade positiva é benéfica e atende ao interesse público. Garante aos gestores públicos, especialmente os das cidades do interior, a contratação de médicos para uma jornada de duas horas mínimas e quatro máximas. E tudo dentro da lei.

Tal flexibilidade de jornada de trabalho, de duas a quatro, somada a não aplicação do salário mínimo profissional para as entidades públicas, efetivamente facilita as contratações, notadamente de especialistas.

Outro ponto controvertido é a substituição da forma de cálculo, do salário mínimo profissional vigente, por um salário mínimo nominal de R$ 7.000,00, também não aplicável aos serviços públicos e com indexador vetado desde a edição do plano real.

Atualmente, o salário mínimo dos médicos e cirurgiões dentistas corresponde a três mínimos nacionais mais um mínimo regional. Ou seja, quatro salários mínimos para a duração mínima de trabalho diária que, de acordo com a lei, corresponde a duas horas.

As estatísticas informam que o reajuste do salário mínimo nos anos do governo Lula ficou sempre acima da inflação medida pelo INPC. Se compararmos o mesmo período de 2003 a 2009, segundo o DIEESE, o salário mínimo aumentou 153,08% enquanto o INPC apresentou uma variação de 47,58% para o mesmo período.

O PL toca nesse ponto e pretende a substituição dos três mínimos mais um (quatro mínimos) para duas horas, pelo salário nominal (já desatualizado) e reajustado pelo INPC. Será que isso é bom? Essa possibilidade no médio e longo prazo é mais benéfica para os médicos?

Quanto aos que futuramente irão se aposentar a lei traz a possibilidade da contribuição previdenciária cumulativa para o sistema geral, do INSS. Não é temerário dizer que essa contribuição cumulativa foi novamente acolhida pela Constituição de 1988.

É nesse ponto que o legislador pode e deve avançar, esclarecendo que a regra contida no artigo 18 da Lei 3.999 encontra-se vigente em face da possibilidade de dois cargos públicos possíveis aos médicos e cirurgiões dentistas. É a forma de tornar eficaz o preceito constitucional e garantir no mínimo duas aposentadorias aos que desempenham dois cargos públicos.

Afinal, os juízes podem acumular dois cargos públicos, o específico de juiz e de professor em escola pública. Se professor em escola pública e em escola privada terá o direito à aposentadoria universitária estatutária, outra aposentadoria pelo INSS e a aposentadoria do cargo de juiz. Portanto, três possíveis aposentadorias.

Com os médicos é a mesma coisa. Respeitada a duração máxima de trabalho, norma de interesse público, é possível a acumulação de dois cargos públicos estatutários e mais um privado (autônomo ou não).

Essa previsão, da mesma forma que para os juízes, produz efeitos para a inatividade, ou seja, para a aposentadoria.

Assim devemos aprofundar o debate em torno do PL do salário mínimo profissional para esclarecer que o artigo 18 da Lei 3.999/1961 combinado com a CF de 1988, torna possível a contribuição cumulativa e, via de consequência, duas aposentadorias pelo INSS e uma pelo estatuto de servidores.

Esse é o caminho para o tratamento justo e perfeito que a sociedade deve aos médicos que, diuturnamente trabalham em favor dela.

* Mario Antonio Ferrari – Presidente do sindicato dos médicos no estado do Paraná (SIMEPAR).

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Médico não é escravo

Fonte: Gutemberg Fialho/Presidente SindMédico-DF

O grave problema da saúde pública no Brasil é a falta de interesse dos profissionais em atuar no interior. Programa do Governo Federal para a interiorização da Medicina não teve o êxito esperado. Além de uma remuneração atrativa o que o médico necessita é de estrutura para exercer uma medicina satisfatória.

No Congresso Nacional não faltam projetos que tentam obrigar o médico a trabalhar no interior do país. Dos seis projetos apresentados, apenas três são de médicos. Os outros são de empresários e até apresentador de TV. Agora, mais um leigo em medicina tenta fazer o mesmo. O bancário e atual secretário de saúde do DF, Augusto Carvalho promete deixar o cargo para voltar à Câmara dos Deputados com esse objetivo. Com certeza ele fará bem à saúde do Distrito Federal com seu retorno ao parlamento.

Como os demais projetos que tramitam na Câmara, o do deputado Augusto Carvalho quer obrigar os médicos egressos de universidades federais a prestar serviço no Sistema Único de Saúde por no mínimo dois anos. Seu desconhecimento na área começa aí. Os médicos já prestam serviço na saúde pública por no mínimo três anos, na residência médica, que no Distrito Federal está ameaçada de extinção por incompetência administrativa e falta de compromisso com a formação médica.

A visão de que educação pública é gratuita, é desconhecer que os impostos pagos pelo cidadão custeiam os serviços do Estado. E este serviço na área da saúde é cada vez pior, não por responsabilidade do médico, mas por falta de infra-estrutura mínima para um atendimento de qualidade. Os pacientes sabem disso. Na pesquisa “Usuários de Serviços Públicos de Saúde do DF”, realizada pelo Instituto Vox Populi, em maio deste ano, mostra que 70,8% dos entrevistados sabem que os médicos levam a culpa por problemas de atendimento que não são deles, enquanto que 61% dos entrevistados creditam ao Governo as péssimas condições de saúde do DF.

Mesmo com salários menores, os médicos brasileiros preferem ficar nos grandes centros onde estão localizadas as melhores clínicas, hospitais e laboratórios e centros de referência. Portanto, não é apenas o salário que importa. É preciso garantir condições de trabalho aliado à reciclagem profissional.

Obrigar os médicos a trabalhar no serviço público de saúde, além de inconstitucional, é um contra-senso. A falta de interesse dos profissionais em atuar no interior do país há muito vem sendo discutida com as entidades médicas nacionais que defendem a criação da Carreira Médica de Estado, a exemplo do que hoje ocorre com a magistratura, um com Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS) e a realização de concursos públicos, só assim os médicos estariam sujeitos a trabalhar em todo o País de acordo com a necessidade nacional, tendo garantidas pelo governo federal, a exemplo dos magistrados, salários dignos e condições de trabalho.

Em que pesem todas as dificuldades pelas quais passamos para exercer a medicina, os médicos brasileiros ainda são felizes com a profissão que escolheram. Queremos continuar prestando uma medicina de qualidade, também na rede pública. Se o médico é necessário no interior do país, como reconhece o Governo, que tenha um tratamento diferenciado. O que não dá é privatizar a saúde e socializar o médico, como quer o secretário Augusto Carvalho, e transformar o médico em escravo.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Ato médico: ação que desafia o conhecimento

A atuação do profissional médico caracteriza historicamente ação que desafia o conhecimento. É muito fácil perceber esse desafio em apanhado retrospectivo da história da medicina. Da observação empírica ao conhecimento científico institucionalizado da Medicina, esses desafios se estendem além do campo do conhecimento, para abranger cada vez mais também desafios no campo institucional e, por fim, nas sociedades democráticas contemporâneas, os desafios exigidos pelo Estado de Direito. Se um dia já se fez cirurgias sem anestésicos, sem técnicas de esterilização e assepsia, no mundo de hoje isso seria inconcebível, inaceitável e juridicamente passível de punição.

A memória da medicina está repleta de aprendizados que vão das associações mais estapafúrdias e sem qualquer embasamento teórico plausível como a auto-intoxicação e o clister salvador do cólon e da alma do paciente, à biotipologia e caráter de Kretschmer, entre outros. Da mesma forma, há todo um aprendizado teoricamente embasado e que contribuiu para o conhecimento científico da forma tal qual nos é apresentado hoje. Fato é que nas sociedades democráticas contemporâneas a atuação profissional do médico segue critérios universais resultantes por um lado do conhecimento científico acumulado e firmado pela comunidade científica, da qual participam não apenas médicos, mas profissionais empenhados com os diversos campos do saber; por outro lado, a atuação profissional do médico representa ao longo do processo de formação e diferenciação da sociedade até a existência do Estado constituído, ação tutelada do Estado na proteção da vida e da saúde enquanto bens jurídicos de grande valor para o ser humano. Cabe ainda aqui menção à experiência nazista e que nesse contexto reforça a necessidade de que seja estabelecido juridicamente a que profissionais a tutela de intervir na vida e na saúde humanas pode ser delegada pelo Estado e onde estão os limites dessa tutela.

Portanto, a elaboração de um texto legal definindo as atribuições do profissional médico precisa ser encarada por médicos e outros profissionais da saúde, como pela sociedade em geral, não como um domínio mesquinho de território, o que seria até infantil. Muito mais é preciso que se vislumbre o real significado do texto legal. E esse significado não pode ser tratado como mérito ou demérito apenas da sociedade brasileira, tampouco de médicos ou fisioterapeutas ou bioquímicos ou de qualquer outro profissional da saúde. O significado desse texto legal é uma conquista dos Estados de Direito de sociedades democráticas. O texto legal que estabelece atribuições do profissional médico no Brasil, inclusive aquelas atribuições que devem ser exclusivas do médico, precisa zelar pela coerência desse seu significado, e que se ressalte, está diretamente relacionado também à responsabilidade do Estado perante o paciente-cidadão. É nesse contexto que, por exemplo, em países como a Alemanha apenas o profissional médico está autorizado a aplicar injeção intravenosa, pois diante de uma eventual reação adversa indesejável e grave, também é ele, o médico, que está tecnicamente capacitado e autorizado para tentar reverter o quadro que venha a se instalar. Obviamente que o Brasil não tem capacidade operacional para se dar ao luxo do rigor de um Estado tão avançado em grau de consolidação institucional e econômica como é o caso da Alemanha. Porém, no Brasil, país em pleno processo de amadurecimento institucional e democrático, é preciso que se comece a vislumbrar os horizontes que despontam por trás de barcos encalhados. É desalentador ver que o foco do debate em torno do projeto de lei do ato médico tome descaminhos pautados pela ignorância do seu significado, querendo atribuir-lhe significado restrito à esfera de tratamentos específicos ou da competência técnica de um ou de outro profissional. Se assim o fosse, muitas vezes no Brasil padres poderiam fazer às vezes de juízes, ou técnicos de futebol assumir o lugar de jogadores, ou jogadores o lugar de técnicos de futebol. Mas esse foi o estado primitivo que abandonamos para dar lugar a uma vida institucionalizada com regras, normas e leis, onde cada sentença tem significado atrelado a vivências sociais e políticas que extrapolam vontades e vaidades individuais. Traduzindo: O fato de poder existir médicos que possam pensar em ter alguma vantagem de mercado decorrente da futura lei do ato médico, não é a motivação da necessidade da lei nem deveria ser o foco do debate. Se houver profissionais de saúde outros pensando em angariar, ganhar ou perder mercado em virtude da futura lei do ato médico, esse também não é o motivo da necessidade da futura lei do ato médico, nem tampouco é para ser preocupação central da discussão. Essas são meras controvérsias paralelas que acabam por anuviar aspectos importantes para a elaboração do texto final. Um dos grandes desafios para os textos jurídicos que se propõe atualmente a regulamentar o ato médico está na necessidade de uma análise criteriosa dos tipos de intervenções a que podem ser submetidos pessoas vivas e cadáveres mediante os desenvolvimentos científicos e tecnológicos das últimas décadas. Nesse sentido, todas as competências profissionais da sociedade brasileira, não apenas médicos e profissionais da saúde, podem unidos contribuir de forma muito mais positiva para a elaboração de texto tão essencial ao atual momento brasileiro.

O ato médico caracteriza-se principalmente pela natureza intervencionista, ou seja, há a "intenção de intervir", cientificamente justificada em um diagnóstico que embasa o "porquê intervir" e da mesma forma estabelece o "como intervir". Intervir do ponto de vista médico significa alterar de um estado inicial indesejável para um estado final previsivelmente almejado. E esse estado final almejado é estabelecido não pelo médico ou pelo paciente, mas pelo consenso científico. E toda a ação que se distanciar desses contornos necessitará de justificação adicional. Atente-se que aqui até mesmo a atitude passiva, ou seja, a não-intervenção, é pautada pelo mesmo raciocínio: a atitude programada. Esses são pressupostos que constituem a essência para a elaboração do texto legal que regulamenta não apenas o ato médico, mas também o exercício profissional do médico em seu amplo contexto. Assim, esses são pressupostos a ser considerados também aqui no Brasil para distinguir o que deve adotar o texto, a despeito de motivos privados que possam levar alguns médicos ou outros profissionais de saúde a um posicionamento pro ou contra a lei do ato médico. O texto jurídico só pode se fundamentar naquilo que vai conferir significado ao termo ato médico, por isso é estranho que se queira no Brasil questionar para além de tais pressupostos quais seriam as atribuições do profissional médico, inclusive as atribuições exclusivas do médico. O ato médico sempre será ação desafiando conhecimento!

Fonte : Leidimar Pereira Murr

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Manifesto da FENAM sobre militarização das UPA´s no Amazonas

É inegável que, mesmo após 20 anos de criação, o Sistema Único de Saúde ainda seja sacudido por projetos políticos diferentes. Muitas vezes diametralmente opostos. De um lado, seus idealizadores, discípulos e construtores, partícipes do movimento pelo SUS de qualidade e para todos. De outro, próceres de modelos que visam distorcer os princípios e diretrizes do Sistema, mesmo que estes estejam insculpidos na Carta Magna. Visam retomar o modelo privatista, fragmentado e iníquo que tínhamos até 1990. Os médicos brasileiros se perfilam ao lado dos que sonharam e sonham com a saúde como direito de todos.

O Sistema Único de Saúde, instrumento de inclusão e acesso de milhões de pessoas à atenção a saúde, está incompleto. A ausência de financiamento suficiente e estável, frágil ação intersetorial, gestão desqualificada e incompetente, inexistência de política de recursos humanos, são fatores que deixam a implementação do Sistema a mercê da sanha predadora de seus adversários.

As principais vítimas da inescrupulosa falta de atenção para com os trabalhadores de saúde são os médicos. Estão sendo expulsos do SUS pelos baixos salários, pelas péssimas condições de trabalho, pela falta de perspectiva de futuro, pela ausência de políticas que garantam atualização científica. O executivo brasileiro, ao invés de elaborar políticas que tornem atrativo para os médicos seu trabalho no setor público, elaboram, aqui e ali, propostas mirabolantes. É o caso do governo do Amazonas.

Contemplado com o financiamento para a construção de sete Unidades de Pronto Atendimento (UPA) no estado, o governo decidiu que seu efetivo de trabalhadores será militar. Abriu concurso para mais de 1.300 vagas de trabalhadores de saúde no Corpo de Bombeiros. Esses militares irão compor as equipes das sete Unidades de Pronto Atendimento que serão construídas no estado do Amazonas. Além disso, as UPA´s serão gerenciadas pela Secretaria de Segurança Pública. Em todo o processo, não houve a participação da Secretaria de Saúde e não foi ouvido o Conselho Estadual de Saúde.

A Federação Nacional dos Médicos - FENAM - entende que a medida é inconstitucional. A gestão da atenção à saúde não pode ter duplo comando. A comunidade tem de ter participação. A FENAM tomará as medidas jurídicas necessárias para restabelecer a ordem constitucional. Alertamos as autoridades sanitárias sérias e comprometidas com o Sistema Único de Saúde de qualidade para essa torpe manobra, que fere alguns pilares do sistema de saúde brasileiro.

Fonte: Imprensa FENAM