terça-feira, 27 de maio de 2008

Misericórdia, Santa Casa !

Por José Márcio Soares Leite, colaborador e médico
Publicado no jornal O Estado do Maranhão, dia 18 de maio de 2008

A ordem das Santas Casas de Misericórdia foi instituída em Portugal, durante o reinado de D.Manuel, pela Rainha Leonor de Lancastre, no ano de 1498, seguindo orientação do seu confessor Frei Contreras.Tinha como missão: tratar os enfermos, patrocinar os presos, socorrer os necessitados e amparar os órfãos.

No Brasil, a primeira Santa Casa foi fundada por Bráz Cubas, no ano de 1543, na Capitania de São Vicente (Vila de Santos), secundada pela de Vitória-ES 1545, pela da Bahia em 1549 e a do Rio de Janeiro em 1582.

O Hospital da Santa Casa de Misericórdia do Maranhão foi instalado em 1653, por iniciativa da Irmandade da Misericórdia, dos jesuítas, tendo à frente o padre Antonio Vieira (Meireles.M.M.Dez Estudos Históricos,1994). Funcionava em imóvel alugado, pois foram em vão os esforços para a sua construção, como no-lo informa João Lisboa : “embora a obra não fosse adiante, conseguiu sempre que se dispusesse uma casa particular para receber os enfermos” (Vida do Padre Antonio Vieira.Obras de João Francisco Lisboa, p.209). Sua sede própria e definitiva, na Rua do Norte em São Luís, só foi inaugurada no dia 19 de março de 1814, 161 anos após a benemérita iniciativa do padre Vieira, com a denominação de Hospital de São José da Santa Casa de Misericórdia.

Durante todos esses anos as Santa Casas prestaram imensuráveis serviços ao Brasil, não somente de atenção à saúde, mas também de ensino nessa área.

A Santa Casa de Misericórdia do Maranhão também adotou sempre o binômio ensino/serviço, pois, em 1826, nela passaria a funcionar uma Aula de Anatomia e Cirurgia, teórica e prática, a cargo do cirurgião-mór José Maria Barreto, e, nas primeiras décadas do século XX, o médico e cirurgião francês Dr. Afonso Saulnier de Pierrelevée iniciou nesse hospital uma escola de grandes cirurgiões, em que pontificariam, depois dele, o Dr.Artur José da Silva e o Dr. Tarquínio Lopes Filho (O Bisturí de Ouro), que teve como seu assistente o Dr. Carlos dos Reis Gomes Macieira. Com a criação da Faculdade de Ciências Médicas do Maranhão em 1957, foi um dos Hospitais-Escola dessa Faculdade, até a criação do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão em 1991.

Até a primeira metade do século XX, o Hospital da Santa Casa de Misericórdia do Maranhão recebia ajuda do Estado, assim como doações de particulares. A partir do final da década de 50, todavia, e, coincidindo com sua autonomização, o Estado deixou de indicar seu Provedor, e, conseqüentemente desonerou-se da obrigação de ajudar no seu custeio. A Santa Casa teve assim, que passar a gerar sua própria receita de manutenção. Esse desafio foi enfrentado, às duras penas, durante quase meio século, em que teve como provedor o médico José Duailibe Murad, e, a participação de um grupo de ilustres profissionais de saúde e de abnegadas religiosas.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a criação do Sistema Único de Saúde-SUS, os hospitais públicos, os filantrópicos, e os privados credenciados, passaram a ser mantidos por esse novo sistema, mediante produção de serviços, porém a tabela de preços paga pelo SUS é extremamente defasada em relação ao custo real dos procedimentos realizados, excetuando-se os de alta complexidade.

Em decorrência dessa nova política, os hospitais próprios da rede pública de serviços de saúde mantêm-se porque os governos arcam com 100% do seu custo de pessoal e nos universitários com cerca de 60% dessa despesa. Já os privados credenciados, abandonaram o SUS e migraram para os planos de saúde, restando o ônus maior para as Santas Casas, que, com seus escassos recursos, ainda custeiam 100% de seus profissionais, levando-as a uma difícil situação financeira.

Nesse contexto, é oportuno ressaltar que a Santa Casa de São Luís com seu ambulatório, suas uti’s, centro cirúrgico, seus setecentos leitos, desde que adequadamente financiada, seria capaz de suportar 50% das internações de média complexidade da capital, eliminando o congestionamento da demanda hoje existente nos “Socorrões” e contribuindo para uma atenção à saúde mais humanizada.

Voltando à história e parafraseando o médico César Augusto Marques, que no seu Dicionário Histórico e Geográfico da Província do Maranhão, escreveu um verbete_ “Misericórdia, Santa Casa”, fazemos um apelo aos gestores da saúde, para que não deixem o trabalho do padre Antonio Vieira fenecer, pois, infelizmente, ele já não está entre nós, para proferir um dos seus Sermões dominicais, em defesa dos desvalidos, que, uma vez enfermos, tanto precisam dos cuidados das Santas Casas.

* Médico, Profº MSc em Ciências da Saúde e membro do IHGM, da AMM da APLAC e da Sociedade Brasileira de História da Medicina.


segunda-feira, 12 de maio de 2008

Quanto vale o médico?

Por: Adolfo Paraiso, colaborador e médico

Em meio à crise do sistema público de saúde pouco se tem dito de bom sobre o profissional que dá tudo de si para curar os pacientes, ou pelo menos minorar seu sofrimento: o médico.

É necessário também que saibamos que a responsabilidade médica não se limita a prescrever medicamentos. O desafio é bem maior, pois envolve muitos aspectos não somente biológicos, mas psicossociais, dentro de uma concepção de integralidade da atenção à saúde.

Hodiernamente, contudo, um novo fator veio agregar-se aos dois já referidos, no que tange ao atendimento dos pacientes, ou seja, a incapacidade do Sistema de Saúde de propiciar ao médico a infra-estrutura física e os insumos e equipamentos indispensáveis à prestação de um atendimento médico, segundo os protocolos clínico-cirúrgicos estabelecidos para esse atendimento. Isto obriga o médico a ir de encontro a tudo o que preceitua o Código de Ética Médica.

Como somatório de todo esse grave quadro médico-sanitário, mormente o do atendimento das urgências e emergências, soma-se o estado letárgico dos administradores da saúde, que a tudo assistem passivamente.

Reorientar a gestão do Sistema de Saúde, definir responsabilidades e a participação efetiva das entidades representativas da classe médica nos Conselhos Municipais e Estaduais de Saúde é da maior importância para definição do orçamento da saúde e a implementação de um Plano de Cargos Carreira e Salários. Essas questões alicerçam a garantia constitucional do direito à saúde.

Vivencia-se uma situação crítica na saúde e queremos que os governos deixem de se omitir e assumam a responsabilidade de oferecer a mínima infra-estrutura necessária para um adequado atendimento médico-hospitalar.

Os médicos, assim como os pacientes, são vítimas da precariedade dos hospitais públicos. O médico está doente. Contaminou-se pelo estresse, pelos baixos salários, pelas poucas condições de trabalho e, também, por ter que escolher a quem salvar.

Hoje, os serviços de Pronto Socorro das capitais dos estados e dos grandes centros urbanos, passaram a se constituir na única porta de entrada para o atendimento médico, em razão da falência da atenção básica. Tal distorção concentra a atenção médica e agrava a escassez de recursos pelo excesso de demanda.

Com a municipalização da saúde os recursos do Sistema Único de Saúde - SUS foram descentralizados para os municípios pelo critério percapita, pulverizando-os, pois os municípios alegam que esses recursos são insuficientes para prestarem um bom atendimento médico, além de não possuírem médicos especialistas e tecnologia.

Sabe-se que 40% das pessoas nas filas de emergência não precisariam estar lá. É preciso investir na rede básica e dar atenção à assistência social, pois, cerca de 20% dos pacientes atendidos nas emergências médicas não precisam de terapia medicamentosa, mas sim, de cuidados básicos e uma palavra de carinho.

Não falta médico nem dinheiro, mas sim gestão. Temos é que tirar as doenças crônicas das emergências e atender ao paciente com trauma que é a principal causa de morte no país entre a população até os 40 anos de idade.

No Brasil, a emergência ainda é muito desvalorizada. As vítimas não raramente chegam às mãos de profissionais recém-formados e em prontos-socorros mal equipados, quando tudo o que elas mais precisariam para aumentar suas chances de sobreviver e reduzir as seqüelas seria uma equipe experiente, com todos os recursos necessários.

Queremos a valorização do médico e do serviço público, mas também a valorização do médico no serviço público. O remédio contra essa indiferença, irresponsabilidade e omissão do gestor público é o nosso grito de alerta em defesa da vida.

Quanto vale o médico?

sexta-feira, 9 de maio de 2008

O dia "D"

Por José Márcio Soares Leite, colaborador, médico e profº em Ciências da Saúde

No Brasil colonial, a ação do Estado no setor saúde foi insignificante. Não havia médicos. As consultas e cirurgias eram desenvolvidas pelos chamados exercentes (físicos, cirurgiões-barbeiros, barbeiros e boticários) e pelas Santas Casas de Misericórdia, que também, inicialmente, atendiam aos enfermos com infusões de ervas, frutas cítricas, raízes e produtos trazidos pelos índios (Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Direito Sanitário, 2003).

Com a chegada de João VI ao Brasil, em 1808, começaram a ser tomadas medidas para melhorar essa situação. O primeiro passo foi a criação das Academias Médico-Cirúrgicas, a primeira em Salvador-BA em 1808 e a segunda no Rio de Janeiro em 1813. Iniciou-se também nesse período a vacina antivariólica. A fase imperial da história brasileira encerrou-se sem que o Estado solucionasse os graves problemas de saúde da coletividade (Bertolli,C. F. História da Saúde Pública no Brasil. Editora Ática, 2000).

A proclamação da República, em 1889, foi embalada por uma idéia: modernizar o Brasil a todo custo. Nomes como Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Adolpho Lutz e Vital Brasil muito contribuíram para a melhoria da saúde pública no país, tanto que na primeira década do século passado, erradicaram, no Rio de Janeiro, a peste bubônica e a febre amarela, além de conseguirem manter sob controle a varíola.

A partir da segunda metade do século XX, se intensificou no Brasil o predomínio das ações assistencialistas ou curativistas, em detrimento das ações de promoção da saúde e prevenção das doenças, o chamado Modelo Hospitalocêntrico. Essa situação se agravou na década de 90 com a extinção do Órgão responsável pelo controle de endemias no país, a Superintendência de Campanhas do Ministério da Saúde-SUCAM, transferindo-se suas ações principalmente para os municípios, sem que estes tivessem tido tempo e recursos materiais e humanos, para organizarem seus serviços de vigilância epidemiológica e controle de vetores.

O resultado aí está. Uma epidemia de dengue no Rio de Janeiro, onde estão ocorrendo 45 casos novos por hora, com mais de cinqüenta mortos, infelizmente a maioria crianças.

A gravidade dessa situação está a exigir das autoridades sanitárias, urgentes medidas de saneamento básico, como a retirada do lixo dos terrenos baldios e ações de caráter focal (destruição das larvas de mosquitos com larvicidas) e perifocal (destruição da forma alada do mosquito por meio da borrifação).

Ações isoladas ou emergenciais, do tipo reforço na assistência médica e instalação de hospitais de campanha, de altos custos, podem até minorar a situação, mas não causarão impacto, efetividade, no controle dessa doença.

Quando a situação chega a esse ponto crítico, ante o que foi mostrado pela TV Globo, ou seja, o depoimento de uma mãe, lamentando a perda da filha, criança, que antes de vir a falecer lhe disse: “socorro, mamãe”, mesmo tardiamente, é o momento das autoridades sanitárias deixarem de lado as desídias, as vaidades pessoais, as querelas político partidárias e se integrarem para o enfrentamento dessa realidade, de forma coordenada, sistemática e competente.

Nesse contexto, o Senhor Ministro de Estado da Saúde, um médico sanitarista, oriundo da “elite pensante” da saúde da Fundação Oswaldo Cruz, deve propor um pacto contra a dengue no Rio de Janeiro, o dia “D” contra a dengue.

No dia “D”, seria deflagrada, uma ampla mobilização, não somente das autoridades responsáveis pela saúde no Estado, à frente o Governador, os Prefeitos e os Secretários de Saúde, mas também de forma intersetorial todas as Secretarias de Governo Estadual e Municipais, profissionais de saúde, técnicos da Fundação Nacional de Saúde (do Rio de Janeiro e de outros Estados), a Fundação Oswaldo Cruz, as Universidades, Os Conselhos de Saúde, Os Conselhos de Classe, os Sindicatos, as Uniões de Moradores dos Bairros, os militares, os estudantes, os empresários, enfim, toda sociedade civil a ajudar na luta contra essa doença, até porque sabemos que é impossível vencê-la sem a participação popular. Como suporte a essa ação, obviamente que existe a necessidade de abertura de crédito especial e/ou suplementar do Governo Federal para o Estado do Rio de Janeiro.

É preciso, portanto, que todos se conscientizem de que o que hoje é um problema do Rio de Janeiro, amanhã poderá ser de Salvador, de Recife, de Fortaleza e de São Luís, dentre outros.