sexta-feira, 20 de março de 2009

Como combater a epidemia dos falsos médicos?

Mário Ferrari*

Não são de hoje as iniciativas de combate ao charlatanismo e curandeirismo.

Há oitenta anos, no Rio de Janeiro, foi criado o Sindicato Médico do Brasil para dar um rumo e proteger a sociedade contra o exercício ilegal da medicina. Naquela época, como hoje, crescia o número dos práticos que, sem formação, exerciam a medicina.

Atualmente, de norte a sul e de leste a oeste do país, temos notícias do aumento crescente de inescrupulosos exercendo ilegalmente a profissão médica. A conduta criminosa coloca em risco a saúde e a vida dos usuários.

Mais recentemente, falsos médicos foram flagrados como plantonistas em hospital de Campo Largo, região metropolitana de Curitiba. É isso mesmo, falsos médicos, criminosos, trabalhando num setor estratégico do serviço público, terceirizado. A conivência omissiva das autoridades precisa ser investigada.

Não se trata de caso isolado, o sindicato médico denúncia isso há anos, é a ponta do iceberg. Entre as responsabilidades impostas aos que pretendem integrar uma categoria como a dos médicos e demais profissionais há disciplina na CLT ao tratar da contribuição sindical. No caso Campo Largo, os falsários compareceram na associação de médicos da cidade, apresentaram carteira do CRM e só. Não existiu a cautela do contratante terceirizado ou da associação em consultar o banco de dados do sindicato médico que poderia certificar a regularidade ou não para o exercício profissional dos pretendentes à contratação.

Agora se sabe, não foram apresentados documentos essenciais para a contratação, ou seja, a comprovação de recolhimento da contribuição sindical e com certeza a prova de quitação no CRM. As notícias sugerem que pessoas ligadas à organização social terceirizada vinham recebendo parte da remuneração paga aos falsários.

A cumplicidade parece estar presente. O contrato entre a empresa e o município, independentemente dos falsos médicos, nasceu nulo.

É preciso dar um basta nessa situação. Sem a comprovação dos recolhimentos e documentos exigidos, as empresas não podem sequer comparecer às concorrências públicas. Essas organizações sociais, que epidemicamente se espalham pelo país, possibilitam as crescentes contratações de falsos médicos. Seriam elas utilizadas para acobertar outras condutas criminosas?

Há necessidade de investigação, de se estabelecer responsabilidades diretas e indiretas. As repartições públicas têm obrigação nesse controle. Exigir a prova de quitação da contribuição sindical é apenas uma das exigências que municípios deste estado não estão cumprindo.

Conceder alvarás de licença ou localização a consultórios e clínicas sem atenção a exigências de lei contribui, não só para o exercício ilegal da medicina, mas também para o de outras profissões.

Quantos falsários estariam se passando por enfermeiros, psicólogos e outros profissionais de saúde? Os mecanismos de prevenção contra o risco à integridade da saúde são as obrigações e penalidades impostas aos contratantes e contratados. Tanto os administradores públicos quanto os falsos médicos podem ser enquadrados na Lei que dispõe sobre os crimes hediondos. Esses falsários colocam em risco o bem mais precioso dos cidadãos, a vida.

Como combater essa epidemia de falsos médicos? Um dos caminhos é o recadastramento iniciado pelo Conselho Federal de Medicina com a exigência de todos os documentos previstos em lei desde o registro. Na concessão dos alvarás de localização e nas contratações, sob pena de nulidade, os gestores devem atentar para as exigências previstas. O controle do fluxo e a migração dos médicos no mercado de trabalho é uma constante e deve se dar através do recolhimento da contribuição sindical.

Daí, mais do que nunca há necessidade de cruzamento de informações entre o Conselho Federal e os Sindicatos Médicos. E, finalmente, a participação fundamental de qualquer cidadão. Em caso de dúvida, quanto à habilitação de quem vem exercendo a medicina, deve dirigir consulta ao sindicato médico e ao conselho de medicina. Essas medidas de interesse social podem revelar mais falsos profissionais, o que poderá levar a uma redução do exercício ilegal da profissão MÉDICA. Além dos falsos medicamentos, vamos combater os falsos médicos e os gestores que oferecem medicina falsificada aos usuários da saúde.

Combater o crime é dever de todos!

* Presidente do Sindicato dos Médicos no Estado do Paraná, Diretor de Saúde Suplementar da Federação Nacional dos Médicos.

terça-feira, 17 de março de 2009

A excomunhão de um herói

Por: Herberth Marçal - Médico


Recentemente, acompanhamos na mídia uma notícia hedionda; um padrasto estuprou e engravidou, gravidez gemelar, uma menina de 9 anos com 32 kg. O crime ocorreu em Recife, onde causou grande comoção popular com repercussão internacional.

Sabe-se que uma criança de nove anos não tem seu aparelho genital preparado para a reprodução e muito menos para o parto e, com o agravante de ser uma prenhez gemelar. Os riscos de complicações seriam nefastos para a gestante impubescente. Naturalmente, essa criança não foi só comprometida organicamente, foi também lesada psiquicamente. É notório que para haver um ato sexual e, posteriormente, uma gravidez, precisamos de um amadurecimento da genitália feminina externa (vulva e vagina) e interna(útero, ovários e trompas).Com isso, teremos um canal vaginal totalmente preparado para a introdução do órgão sexual masculino, um ovário atuante que dará sustentação e manutenção hormonal e um útero receptivo para o acolhimento do feto caso ocorra uma gravidez.

Há várias particularidades clínicas acerca dessa gestação. Uma delas obviamente desconhecida pela igreja, é que a evolução desta gravidez gemelar em uma criança de nove anos é quase sempre incompatível com a vida da gestante e dos fetos, ou seja, se fóssemos ouvir a voz do clero teríamos a mãe e as respectivas crianças mortas.Qual a solução?

Desnecessário salientar que esta pobre criança não estava preparada para tal intento e, além de ter seu corpo violado, escoriado, ferido, dolorido em suas partes intimas com seqüelas físicas imprevisíveis, teve ainda, seus sentimentos revirados, suas emoções e seus sonhos infantis destruídos. Por fim, sua infância perdida.

Em certo sentido, é patético ouvir declarações infundadas de um clero arcáico que despreza a doutrina médica e, consequentemente, a vida de uma criança, vitima do maior inimigo da igreja: “ O demônio “ que, paradoxalmente, foi combatido por esta instituição durante toda a existência do cristianismo.

Assim, julgo imprescindível um parecer técnico, uma analise embasada na literatura médica para que possam vislumbrar o melhor para esta menina gestante.

Destarte, para que a igreja não tenha que se desculpar no futuro como já fez em outrora, sugiro que faça uma avaliação humana da situação abdicando a hipocrisia a demagogia e a vaidade pusilânime.

Sobretudo, não demandaria muitos esforços para entender que esse procedimento de interrupção da gestação, foi uma atitude corajosa, legítima, altiva de um grande médico, que poderia muito bem ter recusado tal procedimento evitando assim, o risco cirúrgico, a exposição na mídia e o julgamento popular.

Não obstante à magnanimidade de seu ato, e do procedimento cirúrgico ter ocorrido sem complicações a igreja foi implacável, excomungou-o. Excomungou um herói.

terça-feira, 3 de março de 2009

Os médicos e a violência

Por: Antônio Pinheiro e Waldir Cardoso*

Manchete do jornal O Liberal, de Belém (PA), na semana passada, confirma que os médicos em seu trabalho também acusam sentir na pele o aumento da violência que amedronta o cidadão brasileiro.

Em constatação da própria Secretaria Municipal de Saúde (SESMA) de Belém, as demissões tem desfalcado o atendimento principalmente na periferia, em vista destas ocorrências, deixando mais uma vez como vítima maior a população excluída e desprotegida pelo poder. Como se já não bastasse o descaso com as condições de saneamento, agora ficam também sem acesso ao atendimento médico.

Nos anos de 2007 e 2008, os casos de médicos agredidos e até assassinados em pleno trabalho ou no deslocamento antes ou após aumentaram consideravelmente, culminando com movimento nacional deflagrado pela associação de médicos peritos, inclusive com paralisações que pleiteavam mais segurança no que foram apoiados pelas entidades médicas nacionais. Os médicos que em seu labor contaram sempre com maior consideração e respeito até pela imagem cultuada da profissão, hoje vêem-se acuados não só nos postos da periferia como refere a matéria jornalística, mas também em seus consultórios e clínicas nas áreas consideradas mais nobres das grandes cidades. Aí estão os estabelecimentos de saúde com grades, corpo de guardas, câmeras e alarmes. Sobressaltados ficam os médicos, funcionários, pacientes e acompanhantes, tornando o ambiente de trabalho onde se necessita de concentração e tranqüilidade, verdadeiras fortalezas, com portas eletrônicas a cada passo. Relatos são cada vez mais freqüentes de assaltos a mão armada e até alguns com ameaças físicas. Muitos médicos preferem edifícios de conjuntos de salas tentando com isto a diminuição destas ameaças, o que nem sempre é maior garantia. O que fazer? Como continuar no trabalho, seja publico ou privado nestas condições? Como exigir do médico que precisa exercer atividade em áreas de risco que se exponha mais do que já faz, ao trabalhar a maioria das vezes sem condições adequadas, só com seu conhecimento, o estetoscópio e o jaleco branco?

Somos todos hoje, médicos ou não, cidadãos temerosos, com olhares desconfiados, reféns de um mesmo sistema que represou a miséria e a falta de cuidado com muitas gerações e que hoje sofre as conseqüências destes atos. Devemos todos assumir nossas responsabilidades, mesmo que indiretas, sob pena de termos um futuro mais sombrio ainda para nossos filhos. Cobrar dentro de nosso pequeno universo social com reclamações e imprecações não é suficiente. É preciso mais. É preciso que nos unamos todos em exercício de cidadania para discutirmos e decidirmos nossos direitos sociais e políticos. Dissociados do ruído que vem desta distensão humana e que nos põe uns contra os outros, seremos tão descuidados quanto os que não viram lá atrás a possibilidade deste enfrentamento cruel.

É visível a preocupação dos diversos setores da sociedade demonstrada pelos grupos de discussão e estudos sobre as questões aqui abordadas. Tentativas constantes são encontradas na rede de comunicação mundial numa troca de opiniões e enriquecimento político, como se fosse um preparo demorado para uma verdadeira remontagem da carcomida e sempre repetitiva estrutura dos poderes constituídos. Espasmos tímidos de uma necessária renovação de pensamentos e principalmente de nomes (voltam Sarney e Temer) são sufocados com promessas vãs e bolsas qualquer coisa.

É hora de começarmos a ver os acordos espúrios feitos para obtenção de cargos no viciado círculo político, criando uma espécie de ética amoral, válida só para o vizinho e nunca para todos. Participação é a palavra antiga e sempre necessariamente lembrada nestes momentos e que deve ser motivo de reflexão para todos, infelizmente movidos agora pela insegurança e pelo medo.

A categoria profissional médica, sempre considerada uma das mais importantes dentre todas, tem obrigação de liderar através de suas entidades oficiais um movimento em busca da paz social e de um futuro saudável, seja no exercício da atividade responsável e humanizada inerente ou na conscientização em seu convívio do dia a dia.

Ação e participação são o que o momento exige dos médicos e de suas entidades representativas. Procurar um caminho é urgente medida.

* Antônio Pinheiro é conselheiro do Conselho Federal de Medicina pelo estado do Pará. Waldir Cardoso é diretor do Sindicato dos Médicos do Pará.