segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Que privatizem as secretarias da Saúde

Por: Cid Carvalhães*

A TERCEIRIZAÇÃO da saúde por meio das OSS (organizações sociais de saúde) é uma proposta antidemocrática e antissocial. Desde que foi implementada, tem demonstrado dificuldades em apresentar o controle do destino de verbas do dinheiro público para o privado.

Na realidade, tem acumulado dívidas orçamentárias grandiosas. Veja como exemplo o caso da Fundação Zerbini, com dívida de R$ 260 milhões, sem falar de Sanatorinhos (Carapicuíba e Itu), Hospital Francisco Morato, maternidade de Cotia, entre outros.
Os governos estadual e municipal alegam que o custo de internação nos hospitais administrados pelas OSS é baixo. Mas o problema é que nesses hospitais não são atendidos pacientes com doenças de alta complexidade.

Não há unidades de hemodiálise para tratamento de doentes renais crônicos, por exemplo. Quem precisa de internações prolongadas encontra as portas fechadas, e os atendimentos e internações são seletivos. Os politraumatizados também não são atendidos. Além disso, os hospitais não fazem transplante de órgãos nem oferecem medicação de alto custo.

Os pacientes com problemas complexos são enviados para outros hospitais ou prontos-socorros da rede pública sem a certeza da agilidade no atendimento.

A alegação de que as OSS não têm fins lucrativos é usada como desculpa para o pagamento de “polpudos” salários a seus diretores. Os cargos em comissão são preenchidos de acordo com os interesses circunstanciais dos gestores privados, levantando a hipótese de benefícios imediatistas de quem os promove.

Quem perde é a população, principalmente a mais carente. Em São Paulo, o assunto não chegou sequer a ser discutido no Conselho Municipal de Saúde. O Ministério Público já denunciou que é uma maneira de burlar, de uma só vez, o controle público, a lei de licitações, os limites para gastos com pessoal e a responsabilidade fiscal, ultrajando o SUS.

As OSS podem contratar serviços e funcionários e usar bens municipais sem recorrer a licitações ou concursos públicos, bastando apenas a assinatura de convênios. Tais métodos são contrários aos princípios consagrados da administração pública.

Fica claro que o convênio transfere para a iniciativa privada importante segmento do patrimônio público, sem nenhum controle do Tribunal de Contas. Funcionários capacitados e experientes, que dedicaram suas vidas ao serviço público, podem ser trocados como se trocam computadores.

A defesa intransigente das OSS pelo governo do Estado de São Paulo representa uma desculpa burocrática, uma confissão de completa inoperância do governo para justificar sua ineficiência gerencial. Querem um governo mínimo com alta carga tributária e transferência de recursos para atender a interesses mercantilistas da iniciativa privada. Isso é uma fuga da responsabilidade.

Houve inversão na maneira de interpretar a legislação, que diz que a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado. A Constituição diz que a iniciativa privada pode atuar como complementar aos serviços de saúde. Na prática, os defensores das OSS deixam o Estado como atividade complementar, invertendo a lógica da lei e prejudicando a população que depende da saúde estatal.

A lei das OSS se assemelha a outra experiência rechaçada pela população de São Paulo, ou seja, o PAS, do ex-prefeito Paulo Maluf. Trata-se, na verdade, de um PAS de casaca.

Portanto, desafio a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo e o governo do Estado a abrir as contas dos hospitais e unidades de saúde administradas por OSS para que a verdade seja levada ao conhecimento da opinião pública. Que venha a privatização. Mas por que eles não privatizam antes a própria Secretaria da Saúde e, também, as chefias dos Executivos?

*CID CARVALHAES médico e advogado, é presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo.

Publicado Edição de 26 de outubro do Jornal Folha de São Paulo

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Vida médica

Por: Clóvis A. Cavalcanti

Com a precarização do trabalho médico, exercemos nossa digna profissão em serviços sucateados, sem equipamentos e medicamentos.

Nós, médicos, não paramos para somar as horas de trabalho semanal em nossas diversas atividades. São vários subempregos e salários aviltantes, com enorme perda física e emocional.

A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) preconiza 44 horas de trabalho semanais e a tendência é a redução dessa carga horária, pelo aparecimento de novas tecnologias, valorização da qualidade de vida e pela necessidade do aumento do número de empregos.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) recomenda que, pelo desgaste de nossa atividade, não se ultrapasse às 30 horas de trabalho semanais.

Não temos férias, 13º salário, FGTS, nem outras garantias legais das demais atividades laborativas. No entanto, estamos muito longe desse ideal, com sacrifícios de longas horas de árduo trabalho para uma digna sobrevivência, com sustento familiar e honrando diversos compromissos.

A grande maioria dos médicos trabalha mais de 70 horas por semana, acumulando quatro ou mais subempregos, com seus péssimos vencimentos, na tentativa de uma vida melhor.

Existimos de fato, mas não de direito, pois nossa profissão ainda não foi regulamentada.

Há, intencionalmente, uma total desvalorização do profissional médico, assim como do seu salário em todos os níveis: municipal, estadual e federal.

Trabalha-se sem as mínimas condições, sem um salário condizente, mas precisamos ter cada vez mais competência técnica e científica.

Mas, apesar de todas as adversidades, não paramos, não desistimos de salvar vidas, e mesmo no convívio diuturno lutando contra enfermidades, sofrimentos e a morte, não esmorecemos.

Até quando seremos passivos com o que ocorre?

Até quando não lutaremos por emprego único, salário digno e carreira de estado?

Sacerdócio, sim, mas com total dignidade nas condições de trabalho e salariais.

Não podemos ceder mais!

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

A FENAM e o Conselho Nacional de Saúde

Por: Waldir Cardoso

A participação da comunidade é uma das diretrizes da organização do Sistema Único de Saúde. Está prevista no art. 198 da Constituição Federal. Por ocasião da regulamentação do capítulo da saúde em setembro de 1990 o então Presidente da República Fernando Collor vetou os artigos da Lei Federal 8.080/90 que dispunham sobre os Conselhos e Conferências de Saúde. A reação imediata do movimento pela reforma sanitária fez com que em dezembro do mesmo ano fosse aprovada a lei 8.142. Esta lei dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS. Dentre outras medidas, estabeleceu a realização periódica de Conferências de Saúde e o caráter permanente dos Conselhos de Saúde. O art. 77 das Disposições Finais e Transitórias de nossa Carta Magna insculpe os Conselhos de Saúde na Constituição Federal quando determina que os recursos do Fundo de Saúde devem ser acompanhados e fiscalizados por aquele órgão colegiado.

Apesar disso muitos negligenciam a importância dos Conselhos de Saúde. Uns alegam que a população desconhece a existência deles. Outros que são apenas frutos das idéias românticas e revolucionárias dos militantes da reforma sanitária. Outros mais denunciam o aparelhamento dos Conselhos pelo poder público para decretar sua falência. Muitos interrogam se há algum papel estratégico e histórico para os Conselhos de Saúde neste momento.

O que estes valorosos companheiros precisam compreender é que não há como queimar etapas históricas. Há 20 anos estes organismos eram apenas uma proposta. Hoje é realidade. É verdade que estão longe de ter o funcionamento sonhado por Sergio Arouca. Ocorre que, como demonstrei, são instrumentos poderosíssimos de Controle Social da saúde. Não os únicos, certamente. Mas imprescindíveis no estágio político atual.

A democracia é trabalhosa. Para grande parte de uma sociedade de cultura autoritária como a brasileira a democracia é mesmo penosa. Bebendo em Gramsci, penso que ainda temos muito caminho pela frente até conquistar a hegemonia no campo da saúde. Na guerra de posições cada passo adiante é uma vitória. Nesta luta, o movimento pela reforma sanitária, já demos muitos passos vitoriosos. Não podemos retroceder, esmorecer ou dar passos em falso.

Por tudo isso penso ser um grave erro político a FENAM não participar do processo que vai eleger as entidades que irão compor a próxima gestão do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Tenho convicção que teríamos votos suficientes para ocupar um dos assentos na representação dos trabalhadores de saúde. As demais entidades representativas dos trabalhadores de saúde tem responsabilidade e a dimensão da importância dos médicos no controle social da saúde.

Em política não há espaço vazio. Se esta decisão for mantida, o espaço da FENAM no Conselho Nacional de Saúde será ocupado. Os médicos de alguma forma estarão no CNS. Não com a mesma representatividade e legitimidade. Mas estarão.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Médico do setor público é um folgado

Assustou, né? O título foi só para chamar a sua atenção e fazer você ler esse artigo até o final...

O exercício profissional na área da saúde é desgastante. Na ponta do sistema está o médico, com sua dedicação, responsabilidade social e ética. Da prática médica cotidiana, advém os desgastes naturais, o estresse, o cansaço físico e psíquico. Comparando a prática médica do consultório particular com àquela exercida no setor público, percebo que no setor público o médico desgasta mais. Ora, mas se os doentes são os mesmos, os princípios que regem a prática médica são os mesmos, a carga horária do setor público é às vezes até menor, por que o setor público causa maior impacto negativo sobre a vida dos médicos?

Para tentar responder esta pergunta, convido o leitor a fazer uma breve reflexão.

Temos visto que o orçamento destinado ao financiamento do setor saúde é insuficiente. Ora, em qualquer lugar em que a receita é menor que a despesa, o papel de quem gerencia é equalizar estes indicadores chamados receita e despesa. Ou você aumenta a receita ou diminui despesa. Não tem outra fórmula. Qual destes indicadores é imutável? Resposta: a receita. O gestor tem seu orçamento votado por uma comissão que, após abatidos os desvios da corrupção, obtém-se a receita líquida para gastar com o setor. Esta receita não sofre incrementos ao longo do ano. Vota-se um orçamento e acabou, não há suplementos, pelo menos é o que dizem. O gestor tem que se virar com aquela receita. Se a receita é imutável e insuficiente, a única saída é mexer na despesa. E como o gestor público mexe na despesa?

1. Pagando maus salários aos médicos.

2. Exigindo maior empenho e maior resolutividade do médico, estendendo jornadas e ou número de atendimentos sem querer pagar mais por isto.

3. Burocratizando os pedidos de exames complementares e disponibilizando pouco volume para realização dos mesmos. Intermináveis tarefas de preenchimentos com a necessidade de um formulário para cada exame complementar, gerando dispêndio de tempo e alto custo em papéis. O formulário para solicitação de exames bioquímicos é um bom exemplo. Como se não bastasse, a relação de exames contidos no formulário está totalmente fora de ordem alfabética, gerando mais desgaste para o médico à procura do exame desejado. É comum depararmos com informações solicitadas nos formulários que entendemos serem desnecessárias à confecção dos exames, por exemplo: nome da mãe do usuário, ponto de referência da residência, código do IBGE , CNES, CPF e matrícula do médico solicitante, número da notificação SINAN, história clínica do paciente com hipótese diagnóstica e CID10. Com isto cria-se uma demanda reprimida que obriga o usuário a esperar demasiadamente. Sinto que esta prática visa à geração de um menor número de procedimentos complementares, pela dificuldade de preencher formulários. Com isto poupam-se investimentos. Há exames em que o paciente não pode esperar.

4. Dificultar o acesso à consulta de especialidade. Com isto diminui a necessidade de mais contratações de especialistas. Isto gera também demanda reprimida e o paciente ou contenta com o parecer e tratamento de um generalista ou por seus próprios meios consulta um especialista particulóide (consulta de especialidade com encaminhamento proveniente do SUS – a chamada consulta social).

5. Dispensação defectiva de medicamentos. Num momento, na farmácia básica, falta anticoncepcionais, noutro hipoglicemiante oral, noutro antihipertensivo e assim sucessivamente. Este rodízio de faltas dilui-se as queixas, gerando um menor desgaste para o setor público e o usuário acaba ficando sem o medicamento ou comprando, com o argumento de que as faltas são temporárias e não custa nada fazer um certo esforço e comprá-las. Isto gera algumas economias aqui e acolá.

6. Manutenção e materiais de limpeza e higiene. A Vigilância Sanitária faz vista grossa quanto à higiene e a limpeza, os setores responsáveis cobram e o gestor manda o que tem. Se é suficiente, bem; se não, fica sem. Onde já se viu um Posto de Saúde sem um filtro de água? E tem muitos Postos sem...

7.Registro eletrônico de consultas em um programa de computador obsoleto. Com registros que servem muito mais como contador do número de atendimentos do que para pesquisa de indicadores. Qual a conseqüência direta disto? De um lado um programa quase inexequível e de outro um sumário boicote ao registro por parte de quem de direito deveria preencher os espaçozinhos em branco do prontuário eletrônico. De tal forma que, quem quer que seja, ao fazer uma pesquisa das consultas anteriores de qualquer paciente, vai encontrar verdadeiros absurdos. Isto gera entraves éticos gravíssimos e não contribui como base de dados para estratégias de prevenção de campanhas. O programa não recebe investimentos e anos após anos não consegue processar o quantitativo de informações existentes. Sem contar que existem dias em que é impossível assentar qualquer informação neste prontuário e tudo tem que ser feito à mão.

8. Não existe um Programa de Valorização do profissional de saúde. Não há um programa de humanização e conscientização do serviço. Isso geraria despesas, pois necessitaria contratar pessoal qualificado para tal e o objetivo é economizar. Os espaços na hierarquização do organograma dentro da Secretaria de Saúde vão sendo ocupados por pessoal sem conhecimento técnico, que nomeia ou promove servidores sem qualificação técnica para o exercício da função. São funcionários extremamente esforçados, eficientes e eficazes naquilo que incumbiram de fazer. Confeccionam protocolos esdrúxulos e batem o carimbo: CUMPRA-SE, transferindo para a ponta do sistema, obrigações que geram mais insatisfações e tensão. Não estão interessados na qualidade do serviço médico. Aliás, quanto mais questionável for a qualidade do trabalho médico, mais confortável fica para que enfermeiros, nutricionistas, assistentes sociais, psicólogos e outros, mostrem suas respectivas importâncias nesta cadeia hierárquica. Não é incomum vermos pessoal de outras áreas realizando atos médicos. O pessoal com conhecimento de Medicina Coletiva, os chamados sanitaristas são peças raras no sistema.

Esses fatores são os mais importantes na construção de um desgaste quase instransponível na vida de um médico do sistema público. Na tentativa de minimizar este desgaste, o médico tenta diminuir sua angústia, acreditando que entrando para o sistema público ele terá um complemento de renda sem a necessidade de empenho. Ledo engano. O médico está entrando numa cilada. Quanto maior é seu descompromisso com o serviço público, mais vulnerável se torna frente às questões éticas. Quanto maior for a sua omissão, mais espaço vai surgindo para os aproveitadores desqualificados ocuparem. Quanto mais superficial você se torna e menos tempo gasta, no atendimento aos usuários, mais o gestor entende que você está ocioso. E como se não bastasse, o discurso administrativo é aconselhador: “o médico tem que parar de achar que o serviço público é subemprego, bico...!”

Assim como muitos, eu acredito que não é bico, que não é subemprego. Mas então respeite-nos, valorize-nos e não nos roube a dignidade. Não nos empurre goela abaixo uma tarefa impossível de ser cumprida.

Gestor público, exija mais empenho, mais dedicação, mais qualidade... mas faça a sua parte!


Fonte : Dr. Neudes Ribeiro