quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Pirataria de produtos médicos e vidas humanas

por Aurimar José Pinto* - Artigo extraído do Portal Saúde Bussiness

Em artigo, Aurimar José Pinto diz que setor deve fazer força-tarefa para combater produtos piratas

A globalização e as novas tecnologias foram fundamentais para a melhoria dos serviços de saúde em todo o mundo, mas também foram instrumentos para o avanço da pirataria no mercado de produtos e dispositivos médicos. A falsificação de produtos na área médica assusta porque, além de crescente, está cada dia mais sofisticada. E o risco se reflete diretamente na vida do paciente. A meta e o desafio para os representantes das grandes empresas, fornecedores e associações do setor de saúde é trabalhar em conjunto com o Governo Federal para uma conscientização pública de combate à pirataria.

Cada produto pirata no setor de saúde pode resultar em uma vida perdida. O cenário, que já é grave na área de medicamentos, também é muito preocupante no setor de produtos e insumos médicos. Atualmente, são registrados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de quatro casos diários de pirataria no setor de saúde. Em 2007, foram conhecidos 1,5 mil novos casos de falsificação.

Hoje em dia, a pressão econômica por menores preços em produtos para a saúde é uma das causas da pirataria. Trata-se de um mercado secundário, realizado principalmente em sites de leilões virtuais, onde as procedências do produto e do fabricante são de difícil fiscalização e controle.

O mercado crescente na internet permite que os produtos falsificados se proliferem no mundo inteiro, p ela facilidade de importação sem o devido controle deste comércio. O usuário pode comprar, por exemplo, uma válvula cardíaca tão facilmente como compra uma mala, ou uma camiseta de um time de futebol.

Vale ressaltar que os produtos falsificados não seguem as regras e padrões internacionais de qualidade. Não são esterilizados, não são testados. São apenas cópias, às vezes bem feitas, de produtos já existentes no mercado. Assim como qualquer cidadão compra um CD ou um DVD pirata, existem centros médicos adquirindo produtos falsificados. Ou seja, se os CDs piratas não funcionam por sua péssima qualidade, dá para imaginar o que pode ocorrer com um produto médico sem qualidade garantida que será utilizado em um procedimento cirúrgico O resultado pode ser trágico.

Nos últimos anos, os falsificadores estão se especializando em "enganar" os especialistas do setor de saúde. No evento "Combate à Pirataria no Setor de Saúde", realizado no último 31 de outubro, na Câmara Americana de Comércio (Amcham), em São Paulo, Anvisa e representantes da indústria e distribuição, discutiram quadro preocupante da falsificação. Muitas linhas de produtos, de alta ou baixa complexidade, esterilizadas ou não, estão sendo falsificadas.

As características comuns dos falsificados são: má qualidade do material e a falta de esterilização. Porém, o mais preocupante é que dificilmente usuários e autoridades conseguem identificar essas diferenças a olho nu. Por isto a necessidade de uma força tarefa que estabeleça políticas e procedimentos que revertam em ações punitivas e severas aos praticantes.

Outro fator que fortalece a pirataria são os recursos financeiros e tecnológicos que os falsificadores possuem. Agem, em geral, sob o comando de organizações criminosas que conseguem facilmente cópias originais de produtos e embalagens, que associados à disponibilidade das tecnologias de embalagem, fazem com que as mesmas sejam de boa qualidade, protegendo um produto sem nenhuma qualidade, segurança e eficácia. .
A relação entre altos lucros e sanções pequenas também é outro fator relevante do crescimento da pirata na área médica. A baixa eficiência na aplicação das leis acaba por estimular o falsificador. Precisamos estudar um novo sistema de legislação de combate à pirataria e estabelecer um novo marco jurídico que possibilite uma pena rigorosa para os piratas.

A meta dos principais representantes do setor de saúde e do Governo é a de realizar uma força-tarefa de combate ao produto pirata. Devem ser protagonistas para reverter esse quadro, fabricantes, fornecedores, hospitais e clínicas, médicos, agentes sanitários, agentes alfandegários, Polícia Federal, entre outros participantes da cadeia. E com um único intuito: salvar vidas humanas.

* Aurimar José Pinto é presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Equipamentos, Produtos e Suprimentos Médico-Hospitalares (Abimed) - abimed@abimed.org.br

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A Máfia dos Parasitas

Texto da coluna de Opinião do Estadão - Quinta-Feira, 06 de Novembro de 2008


Todo tipo de fraude e de desvio de dinheiro público provoca justificado repúdio da sociedade - pois lesa o patrimônio coletivo, produto do esforço de todos -, mas quando se trata de fraudes praticadas no campo da saúde pública, mais que repúdio, isso provoca profunda revolta, pois aí afetam, além do patrimônio, a saúde e a vida das pessoas. Relatório da inteligência da Polícia Civil de São Paulo, no bojo da Operação Parasitas - que investiga esquema envolvendo 21 hospitais públicos e 29 prefeituras dos Estados de São Paulo, Minas, Rio e Goiás -, apurou que as fraudes não se limitavam aos pregões eletrônicos e às licitações.


Pior, a quadrilha investigada recebia o dinheiro dos remédios e produtos, mas não entregava as mercadorias ou o fazia em volume inferior ao determinado pelos contratos, "causando falta de suprimentos nos já exíguos estoques das unidades hospitalares". Pior ainda, o relatório questiona a qualidade "duvidosa, diversa daquela especificada nas licitações", dos materiais entregues pelas 11 empresas suspeitas. É que os acusados forneciam "amostras cuidadosamente preparadas" para atender às especificações técnicas e encomendavam "laudos a laboratórios duvidosos atestando a qualidade de seus produtos". Certamente isso criava confusão e agravava "os transtornos de toda a ordem aos profissionais que faziam uso de tais produtos". Quer dizer, os fraudadores agiam com proficiência e requinte na arte do engodo.

O promotor José Carlos Fernandes Junior, da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público de Uberaba, tratando do contrato celebrado entre aquele município e a empresa Home Care Medical - uma das principais implicadas na Parasitas -, suspenso em outubro de 2007 por decisão da Justiça, resumiu a questão: "O que se descortinou neste inquérito civil mostra com clareza que o caso da saúde pública não reside, principalmente, na falta de recursos públicos, mas antes de tudo na falta de moralidade administrativa de alguns. É uma verdade, uma triste verdade, mas a mais pura verdade."

Aliás, é da Justiça naquela cidade mineira que surge a primeira medida judicial efetiva nessa área (ainda sujeita a recurso), determinando o afastamento do recém-reeleito prefeito Anderson Adauto, em razão do mencionado contrato com a Home Care Medical, para a gestão das farmácias e do almoxarifado da Secretaria da Saúde do município. Foi decretado ainda o seqüestro dos bens de Adauto, do secretário de Governo de Uberaba, João Francisco Junior, da funcionária pública Vera Lúcia Silveira Abdalla e da offshore River Finance Co., que tem sede no Panamá e é sócia da Home Care.


Quanto a Anderson Adauto, é conhecida sua trajetória política enredada em escândalos. Ministro dos Transportes do governo Lula, apenas duas semanas após sua posse no cargo - em janeiro de 2003 - já teve seu nome ligado a um caso de irregularidade: na Justiça Eleitoral correu acusação de sua participação em desvios de recursos da Prefeitura de Iturama (MG). Posteriormente, apareceu como um dos beneficiários do valerioduto, no escândalo do mensalão. Admitiu, então, ter pedido ajuda ao PT para quitar dívidas de sua campanha a deputado em 2002. Alegou ter recebido R$ 200 mil, mas a contabilidade do empresário Marcos Valério indicou R$ 1 milhão.


A denúncia contra Adauto, em Uberaba, partiu de seu ex-secretário de Saúde, que testemunhara encontro no qual o prefeito acertara com o gerente da Home Care, Renato Delgado, um modelo de edital - o que caracterizava licitação com cartas marcadas. O negócio levara a promotoria a afirmar que ali "estava montado o esquema para dilapidação do patrimônio público municipal de Uberaba", o que consistia em um "verdadeiro negócio das Arábias, comparável ao acerto das seis dezenas da Mega-Sena".


O que mais espanta em vastos esquemas de corrupção, como o detectado pela Operação Parasitas, é a facilidade e amplitude com que se desenvolvem. E nisso está claro que prevalece a falta de controle de métodos e procedimentos na relação dos poderes públicos com terceiros - visto que fraudar licitações e pregões eletrônicos é fraudar o controle do próprio controle...