sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A Máfia dos Parasitas

Texto da coluna de Opinião do Estadão - Quinta-Feira, 06 de Novembro de 2008


Todo tipo de fraude e de desvio de dinheiro público provoca justificado repúdio da sociedade - pois lesa o patrimônio coletivo, produto do esforço de todos -, mas quando se trata de fraudes praticadas no campo da saúde pública, mais que repúdio, isso provoca profunda revolta, pois aí afetam, além do patrimônio, a saúde e a vida das pessoas. Relatório da inteligência da Polícia Civil de São Paulo, no bojo da Operação Parasitas - que investiga esquema envolvendo 21 hospitais públicos e 29 prefeituras dos Estados de São Paulo, Minas, Rio e Goiás -, apurou que as fraudes não se limitavam aos pregões eletrônicos e às licitações.


Pior, a quadrilha investigada recebia o dinheiro dos remédios e produtos, mas não entregava as mercadorias ou o fazia em volume inferior ao determinado pelos contratos, "causando falta de suprimentos nos já exíguos estoques das unidades hospitalares". Pior ainda, o relatório questiona a qualidade "duvidosa, diversa daquela especificada nas licitações", dos materiais entregues pelas 11 empresas suspeitas. É que os acusados forneciam "amostras cuidadosamente preparadas" para atender às especificações técnicas e encomendavam "laudos a laboratórios duvidosos atestando a qualidade de seus produtos". Certamente isso criava confusão e agravava "os transtornos de toda a ordem aos profissionais que faziam uso de tais produtos". Quer dizer, os fraudadores agiam com proficiência e requinte na arte do engodo.

O promotor José Carlos Fernandes Junior, da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público de Uberaba, tratando do contrato celebrado entre aquele município e a empresa Home Care Medical - uma das principais implicadas na Parasitas -, suspenso em outubro de 2007 por decisão da Justiça, resumiu a questão: "O que se descortinou neste inquérito civil mostra com clareza que o caso da saúde pública não reside, principalmente, na falta de recursos públicos, mas antes de tudo na falta de moralidade administrativa de alguns. É uma verdade, uma triste verdade, mas a mais pura verdade."

Aliás, é da Justiça naquela cidade mineira que surge a primeira medida judicial efetiva nessa área (ainda sujeita a recurso), determinando o afastamento do recém-reeleito prefeito Anderson Adauto, em razão do mencionado contrato com a Home Care Medical, para a gestão das farmácias e do almoxarifado da Secretaria da Saúde do município. Foi decretado ainda o seqüestro dos bens de Adauto, do secretário de Governo de Uberaba, João Francisco Junior, da funcionária pública Vera Lúcia Silveira Abdalla e da offshore River Finance Co., que tem sede no Panamá e é sócia da Home Care.


Quanto a Anderson Adauto, é conhecida sua trajetória política enredada em escândalos. Ministro dos Transportes do governo Lula, apenas duas semanas após sua posse no cargo - em janeiro de 2003 - já teve seu nome ligado a um caso de irregularidade: na Justiça Eleitoral correu acusação de sua participação em desvios de recursos da Prefeitura de Iturama (MG). Posteriormente, apareceu como um dos beneficiários do valerioduto, no escândalo do mensalão. Admitiu, então, ter pedido ajuda ao PT para quitar dívidas de sua campanha a deputado em 2002. Alegou ter recebido R$ 200 mil, mas a contabilidade do empresário Marcos Valério indicou R$ 1 milhão.


A denúncia contra Adauto, em Uberaba, partiu de seu ex-secretário de Saúde, que testemunhara encontro no qual o prefeito acertara com o gerente da Home Care, Renato Delgado, um modelo de edital - o que caracterizava licitação com cartas marcadas. O negócio levara a promotoria a afirmar que ali "estava montado o esquema para dilapidação do patrimônio público municipal de Uberaba", o que consistia em um "verdadeiro negócio das Arábias, comparável ao acerto das seis dezenas da Mega-Sena".


O que mais espanta em vastos esquemas de corrupção, como o detectado pela Operação Parasitas, é a facilidade e amplitude com que se desenvolvem. E nisso está claro que prevalece a falta de controle de métodos e procedimentos na relação dos poderes públicos com terceiros - visto que fraudar licitações e pregões eletrônicos é fraudar o controle do próprio controle...

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