Texto da coluna de Opinião do Estadão - Quinta-Feira, 06 de Novembro de 2008
Todo tipo de fraude e de desvio de dinheiro público provoca justificado repúdio da sociedade - pois lesa o patrimônio coletivo, produto do esforço de todos -, mas quando se trata de fraudes praticadas no campo da saúde pública, mais que repúdio, isso provoca profunda revolta, pois aí afetam, além do patrimônio, a saúde e a vida das pessoas. Relatório da inteligência da Polícia Civil de São Paulo, no bojo da Operação Parasitas - que investiga esquema envolvendo 21 hospitais públicos e 29 prefeituras dos Estados de São Paulo, Minas, Rio e Goiás -, apurou que as fraudes não se limitavam aos pregões eletrônicos e às licitações.
Pior, a quadrilha investigada recebia o dinheiro dos remédios e produtos, mas não entregava as mercadorias ou o fazia em volume inferior ao determinado pelos contratos, "causando falta de suprimentos nos já exíguos estoques das unidades hospitalares". Pior ainda, o relatório questiona a qualidade "duvidosa, diversa daquela especificada nas licitações", dos materiais entregues pelas 11 empresas suspeitas. É que os acusados forneciam "amostras cuidadosamente preparadas" para atender às especificações técnicas e encomendavam "laudos a laboratórios duvidosos atestando a qualidade de seus produtos". Certamente isso criava confusão e agravava "os transtornos de toda a ordem aos profissionais que faziam uso de tais produtos". Quer dizer, os fraudadores agiam com proficiência e requinte na arte do engodo.
O promotor José Carlos Fernandes Junior, da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público de Uberaba, tratando do contrato celebrado entre aquele município e a empresa Home Care Medical - uma das principais implicadas na Parasitas -, suspenso em outubro de 2007 por decisão da Justiça, resumiu a questão: "O que se descortinou neste inquérito civil mostra com clareza que o caso da saúde pública não reside, principalmente, na falta de recursos públicos, mas antes de tudo na falta de moralidade administrativa de alguns. É uma verdade, uma triste verdade, mas a mais pura verdade."
Aliás, é da Justiça naquela cidade mineira que surge a primeira medida judicial efetiva nessa área (ainda sujeita a recurso), determinando o afastamento do recém-reeleito prefeito Anderson Adauto, em razão do mencionado contrato com a Home Care Medical, para a gestão das farmácias e do almoxarifado da Secretaria da Saúde do município. Foi decretado ainda o seqüestro dos bens de Adauto, do secretário de Governo de Uberaba, João Francisco Junior, da funcionária pública Vera Lúcia Silveira Abdalla e da offshore River Finance Co., que tem sede no Panamá e é sócia da Home Care.
Quanto a Anderson Adauto, é conhecida sua trajetória política enredada
A denúncia contra Adauto, em Uberaba, partiu de seu ex-secretário de Saúde, que testemunhara encontro no qual o prefeito acertara com o gerente da Home Care, Renato Delgado, um modelo de edital - o que caracterizava licitação com cartas marcadas. O negócio levara a promotoria a afirmar que ali "estava montado o esquema para dilapidação do patrimônio público municipal de Uberaba", o que consistia em um "verdadeiro negócio das Arábias, comparável ao acerto das seis dezenas da Mega-Sena".
O que mais espanta em vastos esquemas de corrupção, como o detectado pela Operação Parasitas, é a facilidade e amplitude com que se desenvolvem. E nisso está claro que prevalece a falta de controle de métodos e procedimentos na relação dos poderes públicos com terceiros - visto que fraudar licitações e pregões eletrônicos é fraudar o controle do próprio controle...
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