terça-feira, 8 de julho de 2008

SUS - Transferir responsabilidade não é solução

(Matéria publicada na Folha de São Paulo, em 28 de junho de 2008)

O Sistema Único de Saúde (SUS) foi pensado e construído por profissionais e movimentos populares da saúde para funcionar em rede, descentralizado, com atendimento desde um curativo a cirurgias de alto custo, da prevenção e controle de endemias ao acompanhamento porta a porta, em especial nas regiões de difícil acesso.

Mesmo sendo referência internacional, o SUS tem sofrido muitos ataques, principalmente daqueles que vêem na saúde pública mais um nicho de negócio lucrativo. É o caso do estado de São Paulo que há mais de 10 anos vem transferindo a gestão da saúde pública para entidades privadas, inclusive sem licitação, cadastradas como Organizações Sociais da Saúde (OSS), em prejuízo dos usuários que continuam em filas de espera para atendimento, conseqüência do sucateamento do setor público e das restrições do setor privado.

A principal justificativa dos que defendem a terceirização é a agilidade na compra de material e contratação de pessoal, burlando o que chamam de burocracia. Não entrando no mérito da questão, a legislação existe para coibir o mau uso do dinheiro público. Pode e deve ser aperfeiçoada.

Também se alega que com a terceirização o custo diminui. Será?

Os custos das OSS vêm crescendo ano a ano, mostrando que o problema não é o setor público mas da gestão. Os hospitais e serviços gerenciados por OSS decidem de forma independente o tipo e o número de atendimento prestado, ficando a população à mercê da oferta de vagas que essas entidades disponibilizam.

Em relatório da Comissão de Acompanhamento das Organizações Sociais em São Paulo de 2003 já se apontava a redução nos atendimentos de urgência e a lógica da gestão privada – a manutenção do equilíbrio financeiro. Desde 2005 jornais destacam a disparidade nos preços de um mesmo medicamento comprado pelas diversas OSS, chegando a variar em até 64%.

Em 2007, virou manchete a crise do INCOR. A Fundação Zerbini, entidade privada que administra o hospital, acumulou uma dívida de R$ 246 milhões, colocando em risco uma referência em cardiologia, construído e mantido com dinheiro público. Como solução, o governador José Serra restringiu a atuação da Fundação e assumiu a dívida, ou seja, dinheiro público financiando a má gestão privada.

Hoje, a terceirização vem sendo questionada também na justiça.

A terceirização do Hospital Luzia de Pinho Melo, de Mogi das Cruzes, é um exemplo. O Ministério Público do Trabalho ingressou com uma ação civil pública para anular o processo. Entre as argumentações estão violação da Constituição, que determina que nenhum servidor pode ser contratado sem concurso público; a quarteirização de serviços para uma entidade privada ligada à OSS gestora; irregularidades no pagamento de direitos trabalhistas.

Também está sob investigação o repasse de serviços laboratoriais de unidades da rede pública estadual de saúde para a iniciativa privada. A gestão dos serviços está sendo transferida para OSS que por sua vez quarteiriza os exames laboratoriais para empresas privadas.

Um dos tripés do Sistema Único de Saúde – o controle social – não é respeitado no estado. O Conselho Nacional de Saúde se posicionou contra as OSS e a terceirização da saúde. Essa deliberação também foi tomada pelo Conselho Estadual de Saúde. A participação e a fiscalização da sociedade na administração pública garantem a boa gestão. Mas precisa haver transparência no uso desse dinheiro. Isso não acontece na gestão das OSS.

Podemos alcançar uma saúde pública com qualidade. O SUS e suas várias instâncias deliberativas estudam, debatem e definem as diretrizes para serem implementadas nos âmbitos federal, estadual e municipal.

Hoje o SUS funciona ao custo de R$ 1,00 por pessoa e atende muita gente. Se investirmos mais, com certeza, chegaremos a uma saúde pública universal, integral e equânime para todos, promovendo o desenvolvimento sustentável do país que todos almejam. Não é necessário desmontar a rede de saúde pública, nem assistir epidemias e perdas de vida.

Dos hospitais que prestam serviços ao SUS em São Paulo 68% são privados. Portanto, se a gestão privada funcionasse melhor o atendimento hospitalar não teria os problemas que tem hoje. Tratar a saúde como negócio é ideológico e as vidas perdidas é falência na certa.

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