quinta-feira, 3 de julho de 2008

A ética escrita como despersonalização do tratamento médico

(A Moral vestida de Ética torna-se mais aceitável)

Por Manoel Guedes, colaborador e acadêmico de medicina

“... escutar colocando o ouvido no peito...”.
Hipócrates “de Moris” (400 a.C.).


"Há quatro meses a senhora CAB, de 46 anos, descobriu que precisava retirar um caroço do pescoço. Foi à policlínica, fez exames, cumpriu a burocracia. Ela foi internada nesse domingo (25). A cirurgia estava marcada na manhã de segunda-feira. Depois que ela recebeu a anestesia geral, o médico chegou para realizar a cirurgia. E descobriu que não havia luva. A cirurgia foi suspensa. O marido perdeu um dia de trabalho. E o efeito da anestesia passou cinco horas depois." (repórter local)
.
É fato concreto que o código de ética, em certos pontos, não diz respeito à ética, e sim à moral, ao conjunto de normas impostas pela sociedade médica como um meio de coibir desvios de padrão que possam levar ao prejuízo do paciente. E isto é, na teoria, louvável. Contudo, se percebe na prática que algumas vezes se faz necessária certa personalização do ato médico, posto ser cada paciente diferente e repleto de peculiaridades que não o permite ser tratado na coletividade sem notável viés. E é esta personalização, onde tanto as ações médicas quanto éticas são postas em teste, o que realmente importa ao paciente.

O problema então reside em duas questões principais: (1) o código de ética não foi criado para sobreviver em situação de caos, e forçá-lo a isto é simplesmente inviável; e (2) a notável despersonalização do tratamento médico, que é, também, inaceitável.

É sabido que muitos médicos recém-formados trabalharão em hospitais que não disponibilizam nem o mínimo necessário a um atendimento digno, como luvas ou anestésicos, e se encontrarão num dilema ético (ou moral) em relação ao tratamento. Tratar ou não tratar? Pode parecer meio improvável ou mesmo fantasiosa a situação, mas em países africanos ou até em pequenas cidades do interior do Brasil há casos muito mais graves. Em horas como esta, onde nossa ética intrínseca nos diz o que deve ser feito, mas somos restritos pelo que é escrito, creio, deve-se pesar o bem e os malefícios possíveis e então, em caso favorável, iniciar o tratamento.

Sob este aspecto a "ética escrita" como um código do moral pode prejudicar o atendimento, visto que muitas vezes uma moralidade demasiada restringe o tratamento ao que é comum e, pois, “aceitável”, ao ponto tal de algumas vezes causar prejuízo ao paciente. É indubitável que certos desvios de padrão levam ao aprimoramento e evolução da medicina.

Convém ressaltar, porém, que em detrimento de em alguns casos causarem prejuízo, em outros este conjunto de normas salva vidas. O que afirmo é que, às vezes, não segui-lo à risca também às salva. Ou seja, não devemos fazer fogueira do Livro de Ética, mas este deve ser mais aberto à individualidade, pois nem todo médico, paciente e situação são iguais.

O fato é que nós, como médicos, devemos sempre nos preocupar com o bem de quem cuidamos de maneira individual e ética, não apenas moral. Um conjunto entre os três seria o correto, porém percebo, infelizmente, que esta tente a sobrepujar as outras duas, as mais importantes ao meu parecer. E isto é lamentável... É lamentável também saber que se faz necessário um código que lhe diga "eticamente" o que é correto ou "aceitável" e que, ao fazê-lo, nos evidencia o ponto crítico onde estamos, em que a secura de ética individual é extrema ou esta é limitada, amordaçada até, pela ética coletiva, escrita e fundida com a moral, tantas vezes limitante de novas idéias.

Manoel Guedes de Almeida,Acadêmico de Medicina, Faculdade de Ciências Médicas de Santos, Santos-SP.

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